Título: Pânico não desaparecerá dos mercados tão cedo
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Fonte: Valor Econômico, 25/01/2008, Opinião, p. A10

Nem o maior corte de juros em um dia dos últimos 20 anos, nem o anúncio de um pacote fiscal de US$ 150 bilhões conseguiram, ao menos no dia seguinte, acalmar os mercados. As cotações das principais bolsas de valores do mundo oscilam violentamente - na quarta-feira, o Índice Dow Jones variou quase 700 pontos em apenas um pregão. Os mercados começaram a precificar uma recessão, mas seus temores são maiores. As expectativas estão se deteriorando e não pouparam sequer o Fed. Ben Bernanke, no dia 17 de janeiro, disse que a recessão não era um cenário ainda cogitado pelo banco central americano. Quatro dias depois, após uma reunião de emergência do Fed, ele anunciou um corte de 0,75 ponto percentual, que poderá ser seguido de mais meio ponto na reunião normal do banco em 29 de janeiro. É difícil, depois disso, dizer que o próprio Fed não mudou abruptamente seu diagnóstico.

Analistas estimam que se as bolsas estão refletindo de fato uma recessão à frente, elas deverão cair mais ainda. Essa é a perspectiva mais provável, já que juros negativos e estímulos fiscais só terão impactos plenos no segundo semestre do ano. São medidas de emergência, cujas virtudes e defeitos não podem ser subestimados. O objetivo de distribuir 1% do PIB de US$ 14,5 trilhões aos consumidores e oferecer empréstimos a custo real zero é manter a economia à tona, não consertar a economia. Os EUA estão pagando o preço de uma bolha imobiliária inflada por uma bolha de crédito. Combatê-la bombeando exatamente mais crédito não removerá todos os problemas do horizonte, embora importantes efeitos imediatos possam ser obtidos.

Os temores de recessão se exacerbaram e chegaram ao pânico porque já na partida de uma desaceleração o poderoso sistema financeiro americano dá mostras de preocupante fragilidade. As recessões tem sido brandas nos EUA desde os anos 90 e elas não atingiram fortemente os bancos. Há suficientes más notícias possíveis para que a saúde bancária possa se deteriorar ainda mais e, com ela, a vitalidade de toda a economia.

É sugestivo que a bolsa de Nova York só tenha se reerguido depois que autoridades locais de supervisão anunciaram negociação de ajuda de bancos às seguradoras de crédito, como a Ambac e MBIA, que estão sendo rebaixadas pelas agências de risco. Elas detêm US$ 2,4 trilhões em seguros de papéis que estão perdendo valor. O rebaixamento implica o pagamento de prêmios que pode levá-las à insolvência e obrigar os bancos a contabilizar novas e fortes perdas, que enxugarão ainda mais sua capacidade de fornecer crédito. O medo de asfixia do crédito, com uma quebra bancária, ronda os pregões e lhes dá um tom muito mais dramático do que a possibilidade de uma recessão nos moldes clássicos.

O Fed deve ser criticado por não ter visto o tamanho da encrenca que se armava com as estripulias criativas e irresponsáveis dos bancos. Do lado da economia real, os críticos de Bernanke são em boa parte sábios a posteriori. Até setembro, a economia americana havia crescido 4,9%. Apenas em dezembro o desemprego deu um salto e, com exceção do setor imobiliário, nada de muito errado aconteceu. Ainda hoje, há boas notícias no meio da maré pessimista - 28 das 39 empresas não-financeiras do S&P 500 que anunciaram resultados até agora tiveram lucros bem acima das expectativas, segundo a Bloomberg. As exportações ganharam ímpeto. Os pedidos de seguro-desemprego não cresceram em janeiro. Os consumidores, porém, se mostraram arredios nas compras e isso de fato sinaliza uma desaceleração.

Há motivos para se temer uma recessão diferente daquelas breves dos anos 90. Vários grandes bancos estão machucados e serão ainda mais se a conta de US$ 400 bilhões de prejuízo com as hipotecas subprime estiver correta. Isto é ruim e não é tudo. Os bancos não estão em boa forma já antes de sentir o impacto da desaceleração: um número crescente de calotes nos vários mercados de crédito em que atuam. Por isso, o Fed não só baixou os juros no redesconto como deu injeções de liquidez nos bancos e possivelmente o fará mais vezes e com maiores volumes de dinheiro. Suas ações e o pacote fiscal procuram manter a economia funcionando até que as carteiras dos bancos sejam saneadas. Pode levar tempo.