Título: O ciclo dos emergentes
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 25/01/2008, Opinião, p. A10

Os ciclos de bolsa no Brasil, medidos pelo Ibovespa, em dólares, nunca tiveram uma duração superior a seis anos. O "Ciclo Lula" iniciado em outubro de 2002 e que, na ocasião, prognostiquei que atingiria 60.000 pontos num prazo de quatro a seis anos, está entrando no seu sexto ano de alta com o Ibovespa já tendo atingido 65.000 pontos.

A pergunta que intriga investidores e analistas é o que ocorrerá a seguir. Em um de meus artigos anteriores sobre esse ciclo eu dizia: "é o fluxo de recursos para o mercado que determina os movimentos de alta ou de baixa, mas tais fluxos são baseados em: a) fundamentos macroeconômicos; b) fundamentos microeconômicos; e c) fundamentos explicáveis pela psicologia de massas."

De fato, os últimos anos caracterizaram-se por um ambiente macro econômico internacional e nacional extremamente favorável, acompanhado de uma liquidez excessiva nos mercados mundiais.

As companhias abertas de maior porte e com melhor sistema de governança corporativa apresentaram taxas de crescimento de lucros nos últimos anos na faixa de 30% a.a. E o resultado da política econômica dos últimos governos com a queda da inflação, redução do Risco País, redução da taxa de juros interna, excepcional melhora dos indicadores das contas externas, aumento do volume de crédito, da taxa de investimentos, redução da taxa de desemprego, crescimento da renda, entre outros indicadores, promoveram a inserção de um número significativo de novos consumidores no mercado, criando um clima psicológico de mais otimismo e estabilidade em relação às perspectivas econômicas do país.

Todos esses fatores justificaram a alta observada na bolsa nos últimos cinco anos, que medida pelo Ibovespa em dólares, já apresentou uma valorização de 1.700%. Em 2008, o mercado de ações enfrentará novos desafios a começar pelos impactos de curto prazo causados pela crise imobiliária americana, inicialmente encarada como uma crise local, e que a partir da contaminação do mercado financeiro, já é percebida como uma crise global.

Entretanto, o comportamento do mercado em 2008 não deverá assustar o contingente de novos investidores, principalmente pessoas físicas, que aumentaram de pouco mais de 100.000 em 2002, para cerca de 450.000 em 2007. A crise imobiliária que se alastrou para o mercado financeiro, provocará uma turbulência maior no comportamento dos preços das ações em bolsa. Mas ações de companhias com bons fundamentos econômicos, mesmo que apresentem flutuações negativas, estarão respaldadas pelas perspectivas de longo prazo de seus resultados. Aquelas que estiverem com indicadores de mercado super avaliados, terão que sofrer ajustes nos seus preços como, aliás, já vem ocorrendo em alguns casos.

Além disso, os ajustes decorrentes de crises no mercado financeiro são mais curtos, principalmente quando os fundamentos de longo prazo apresentam boas perspectivas como veremos a seguir: 1) Fundamentos macro econômicos. A economia mundial, que nos últimos cem anos, foi liderada pelo crescimento das economias desenvolvidas, voltará a ser comandada pelo crescimento das economias emergentes. Em interessante trabalho apresentado pelo redator chefe da revista "Economist" num congresso da Empea (Emerging Markets Private Equity Association), realizado novembro passado em Londres, foi mostrado que desde o ano 1.000, as economias emergentes foram responsáveis pelo crescimento econômico mundial até 1913, quando se inverteu essa situação. Porém, já em 2005, as economias emergentes foram responsáveis por 55% do PIB global. Essa volta à liderança das economias emergentes, deve-se às suas taxas de crescimento que vêem se apresentando muito superiores as dos países desenvolvidos.

-------------------------------------------------------------------------------- O mercado enfrentará novos desafios em 2008, a começar pelos impactos de curto prazo causados pela crise imobiliária nos EUA --------------------------------------------------------------------------------

Nesse contexto macro econômico, em que os impactos negativos das economias desenvolvidas passam a ser melhor absorvidos pelas economias emergentes, o Brasil poderá recuperar o tempo perdido desde que avance em seus ajustes estruturais, cuidando de: a) encaminhar ao Congresso, por ocasião da reabertura de seus trabalhos, a proposta de Reforma Tributária. Ela deverá apresentar simplificações no atual sistema, com eliminação de riscos fiscais para investidores, redução de custos para cumprimento das obrigações tributárias e sem aumento da carga tributária.

b) Prosseguir nas discussões sobre um novo modelo previdenciário - iniciadas no Fórum da Previdência em 2007 - sem que se chegasse aos resultados esperados, mas que ampliou o nível de conhecimento sobre o assunto, num ambiente de bom relacionamento entre as bancadas do governo, empresários e sindicalistas. Em 2009 haverá um momento político favorável ao seu envio ao Congresso.

c) Prosseguir nos investimentos de infra-estrutura, iniciados com as licitações das estradas de rodagem e construção de hidroelétricas no final do ano passado, e avançar com novas licitações para estradas, hidroelétricas, saneamento básico, habitação, portos, ferrovias e apoio a programas privados de energia alternativa, atraindo novos fluxos de investimentos diretos estrangeiros para o país. A falta de obras de infra-estrutura inviabilizará as perspectivas que se apresentam para o Brasil nesse cenário de liderança das economias emergentes.

2) Fundamentos micro econômicos. As privatizações ocorridas nos anos 90 e a sua retomada iniciada no ano passado, com as novas licitações, continuarão a contribuir para o aumento da produtividade na economia. Também é essa a contribuição que vem sendo dada pelo fantástico crescimento do mercado de capitais. As companhias abertas são forçadas a melhorarem seus padrões de governança com resultados muito positivos sobre seus lucros e o aumento da produtividade na economia. O crescimento da atividade de venture capital e private equity levará novas empresas a se capitalizarem no mercado, promovendo a abertura do capital de empresas inovadoras e de base tecnológica responsáveis pelo dinamismo da economia.

Nos Estados Unidos, durante as décadas de 80 e 90, assistimos um grande ciclo de crescimento econômico impulsionado pelo mercado de capitais e a indústria de venture capital e private equity, dando acesso à capitalização de mais de trinta mil novas empresas, das quais, três mil abriram o capital. A contribuição dessas empresas para o aumento da produtividade da economia americana, teve reflexos não só num ciclo de alta de 18 anos na bolsa americana - 1982 a 2000 - mas, num ciclo de crescimento do PIB comparável aos anos 60.

Dentro desse cenário, que acredito se concretizará, a volatilidade da bolsa em 2008 não interromperá o ciclo iniciado em 2002. Para que esse ciclo fosse interrompido, o Ibovespa deveria apresentar uma queda de mais de 50% nos próximos anos, o que significaria uma correção do Ibovespa para menos de 33.000 pontos.

Os ciclos de bolsa anteriores, medidos pelo Ibovespa em dólar, apresentaram o seguinte comportamento: 1968 /1971 - primeiro ciclo de alta com uma valorização de 800%, seguido de um ciclo de baixa de 12 anos com uma desvalorização de quase 90%. 1983/1986 - segundo ciclo de alta com uma valorização de 600%, seguido de cinco anos de baixa com uma desvalorização de mais de 80%. 1991/1997 - terceiro ciclo de alta com uma valorização de 3000%, seguido por cinco anos de baixa com uma desvalorização de aproximadamente 70%.

Os fundamentos macro e micro econômicos anteriormente mencionados permitem projetar para o Ibovespa pela primeira vez em sua história de 40 anos, um ciclo de alta de 10 a 12 anos de duração podendo fazê-lo atingir 140.000 pontos em 2012-2014.

Thomás Tosta de Sá, sócio da Mercatto Investimentos, é presidente da Associação dos Antigos Alunos da PUC-Rio e ex-presidente da CVM - Comissão de Valores Mobiliários.