Título: BC mantém Selic e não sinaliza tendência
Autor: Ribeiro , Alex; Guimarães, Luiz Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 24/01/2008, Finanças, p. C3

Julio Bittencourt / Valor Sidnei Nehme, diretor da NGO Câmbio: "Crise tem pouco impacto no câmbio" O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central manteve ontem, em decisão unânime, os juros básicos da economia em 11,25% ao ano. Mais importante: não se comprometeu de antemão com um possível aperto, no curto prazo, na política de juros, quando o agravamento da crise internacional torna um pouco mais incerta a trajetória da inflação.

Ao contrário do que chegaram a cogitar nos últimos dias alguns analistas econômicos, o Copom não colocou viés de alta à taxa de juros - instrumento que permitiria ao presidente do BC, Henrique Meirelles, subir os juros antes da próxima reunião do colegiado, marcada para março. Também não houve dissenso na decisão. Economistas do mercado financeiro apostavam que um placar dividido, com uma minoria dos diretores votando pela alta dos juros, poderia indicar um aperto monetário logo adiante.

O Copom assumiu um tom neutro no breve comunicado divulgado após a decisão de ontem, ao afirmar que "irá acompanhar a evolução do cenário macroeconômico até a sua próxima reunião, para então definir os próximos passos na sua estratégia de política monetária".

A manutenção dos juros básicos era exatamente o que esperava a maior parte dos analistas econômicos até a semana passada. O agravamento da crise das hipotecas americanas, porém, que provocou a queda das Bolsas no exterior e no Brasil, levou alguns analistas a preverem uma indicação mais clara de inflexão na política monetária.

As razões para a manutenção dos juros só serão conhecidas em detalhes na semana que vem, quando será divulgada a ata da reunião de ontem, mas a leitura dos documentos oficiais do BC mostra que a decisão foi coerente com o diagnóstico feito até agora pela autoridade monetária.

Há alguns dias, o presidente do BC, Henrique Meirelles, lembrou que as projeções da autoridade monetária para inflação e crescimento econômico já contemplavam o cenário de recessão nos Estados Unidos. Isso significa que, quando projetou uma variação do IPCA de 4,3% em 2008, abaixo da meta fixada para o ano, de 4,5%, já foram incorporados eventuais choques que possam ocorrer a partir de uma desaceleração americana.

No seu relatório de inflação de dezembro, a autoridade monetária disse que os efeitos de uma recessão americana sobre a inflação brasileira são ambíguos. Uma possível queda dos preços das commodities, por exemplo, afetaria as exportações e pressionaria a taxa de câmbio; mas, por outro lado, seriam arrefecidas as pressões inflacionárias dos preços dos alimentos. A queda do crescimento mundial reduziria as exportações, provocando a desvalorização da moeda nacional, mas a queda da demanda externa seria um alívio importante na demanda agregada, reduzindo as pressões inflacionárias.

Para o diretor da NGO Corretora de Câmbio, Sidnei Nehme, a decisão de manter a Selic em 11,25% por um placar consensual e sem a imposição de um viés de alta mostra um BC tranqüilo e com atitudes coerentes e harmônicas em relação ao discurso dos seus dirigentes. Como não está nada definido em relação à crise externa, e não se sabe ainda o tamanho real do desaquecimento da economia americana e os seus reflexos sobre o restante do mundo, seria prematuro tomar qualquer providência monetária anticrise, na prática, uma decisão no escuro. "Em princípio, se espera uma diminuição dos saldos da balança comercial e dos negócios relacionados a IPOs. Mas o impacto disso sobre a taxa de cambio é pequeno", acredita Nehme.

A crise americana só afetará negativamente a inflação brasileira se o real vier a de desvalorizar frente ao dólar. Para o economista, isso só aconteceria se houvesse saída maciça de dólares aplicados no mercado local. Não está ocorrendo isso. Por enquanto, só estão deixando o Brasil aplicações estrangeiros feitas na Bovespa. Vende-se as ações brasileiras mais líquidas e rentáveis para cobrir prejuízos sofridos em outros países. "E não há razão para os investimentos em Selic ser desmontados justamente quando cresce a diferença de rentabilidade entre os ativos locais e os americanos", diz Nehme.

Para o economista-chefe da Concórdia Corretora, Elson Teles, a manutenção da taxa Selic "pautou-se pela avaliação de que, apesar da piora no balanço de riscos para a trajetória futura da inflação, ainda não há informações suficientes que apontem para um desvio significativo da inflação em relação ao valor central da meta". As projeções de inflação do BC para este ano devem ter subido um pouco em relação aos níveis da reunião de dezembro, mas "ainda se mantêm consistentes com a trajetória de metas".

As entidades de classe das financeiras, apesar de defenderem uma alta do juro, apoiaram em nota a decisão do Copom de preservar a estabilidade do juro básico. Para o conselheiro econômico da Acrefi, Istvan Kasznar, como o momento da economia internacional é de muita incerteza, a opção do Copom por não mexer na taxa Selic foi a mais correta. "No entanto, ao passar essa onda de pânico que continuou a tomar conta dos mercados hoje, o BC precisa mostrar que está atento e, se for preciso, como acho que deva ser, primeiramente deverá implementar um viés de alta nos juros para, a qualquer momento, ter a opção de adotar um novo ciclo de aperto monetário para cortar, na raiz, o repique da inflação", recomenda.