Título: Rasura em requerimento leva Jucá a buscar novas assinaturas para CPI
Autor: Ulhôa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 08/02/2008, Política, p. A10

Fábio Rodrigues Pozzebom/ABr Carlos Sampaio: "Uma CPI mista é mais difícil de o governo controlar" A oposição conseguiu ontem anular a manobra do líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), que, na véspera, protocolou às pressas requerimento propondo criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar o uso dos cartões corporativos pela administração federal e a modalidade - anterior à existência dos cartões - de suprimento de fundos para o servidor por meio de contas bancárias, desde janeiro de 1998.

No início da noite, o senador Heráclito Fortes (DEM-PI) revelou no plenário que Jucá havia incluído dados à mão no requerimento, depois de coletar 31 assinaturas. O documento foi protocolado com uma espécie de rasura. A informação levou o presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), a devolver o documento a Jucá, determinando recolhimento de novas assinaturas.

A alteração feita à mão por Jucá acrescenta a composição da CPI (11 senadores), duração (90 dias) e orçamento (R$ 100 mil). São questões formais, mas a rasura dá brecha a questionamento jurídico. O episódio mostra que vai ser dura a queda-de-braço entre governo e oposição.

Num pronunciamento interpretado como espécie de ameaça de devassa nas gestões tucanas, o líder do PMDB, Valdir Raupp (RO), afirmou que prefeituras municipais e governos estaduais têm usado expediente similar ao cartão corporativo. Citou especificamente o governo do tucano José Serra.

" O Governo do Estado de São Paulo, o governo José Serra, gastou no ano passado R$ 106 milhões, sendo R$ 40 milhões sacados na boca do caixa. Quer dizer, esse expediente não foi usado só pelo Fernando Henrique Cardoso " , disse. O pemedebista afirmou que o governo FHC " abafou " quase todas as CPIs propostas em sua gestão. E questionou por que os mesmos congressistas que naquela época abafaram as CPIs " querem agora, a qualquer barulho, a qualquer coisa, instalar uma " .

Heráclito Fortes tentou contestar os dados. Depois, afirmou: " Não podemos usar a tese de que, se estamos no banco dos réus, queremos companhia. Esse não é o argumento. Se o governo estadual e o governo municipal estão errados, primeiro, não podem ser seguidos pelo governo da República, pelo presidente do país " .

"O governo não vai apanhar calado", disse Jucá. Segundo ele, o objetivo é levantar "o padrão de gasto do setor público nos últimos dez anos". Ele acredita que os procedimentos são os mesmos. "Sei que Fernando Henrique não fez nada de errado, como Lula também não", afirma.

A declaração de Raupp foi feita depois de uma discussão entre Heráclito e Eduardo Suplicy (PT-SP). O senador do DEM acusou o petista de " se agachar e agachar o Parlamento " , ao defender o governo por tomar a iniciativa de propor uma CPI para investigar o uso dos cartões, sendo que o objetivo - disse Heráclito - é abafar as investigações. Suplicy reagiu com irritação: " Não há um gesto de agachamento da parte de quem quer que seja. Não use uma palavra inadequada, porque fico bravo " .

A oposição colocou um exército de deputados para coletar assinaturas necessárias à criação de outra CPI, esta mista, com a finalidade de investigar o uso dos cartões corporativos por servidores públicos federais, desde a sua criação (2001).

O governo sabia ser inevitável a criação da CPI no Senado, onde a oposição tem, com folga, as 27 assinaturas necessárias. Preferiu tomar a iniciativa, disposto a controlar a investigação por meio de senadores de confiança do Planalto. Pela praxe, governo e oposição dividem a presidência e a relatoria. A questão será discutida na próxima semana.

A oposição acusa o governo de tentar "abafar" a investigação. Vai insistir na criação de uma CPI de deputados e senadores. "Uma CPI mista é mais difícil de o governo controlar. A investigação ganha maior proporção", afirma o deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), autor do requerimento. Sampaio contesta o requerimento de Jucá, pela falta de "fato determinado". O líder propõe "apurar eventuais irregularidades na utilização de suprimentos de fundos, por meio de adiantamentos, de contas bancárias destinadas à sua movimentação e dos denominados cartões de pagamento, no período de janeiro de 1998 até a presente data".

São necessárias 171 assinaturas de deputados e 27 de senadores para viabilizar a CPI. Na Câmara o governo tem maioria e a tarefa é difícil. Se a oposição conseguir, serão duas CPIs simultâneas. Isso já aconteceu no caso das CPIs do Apagão Aéreo (uma em cada Casa), do Futebol (idem) e do Mensalão (que funcionou paralelamente à dos Correios, ambas mistas).