Título: Kirchner recoloca petróleo sob controle de argentinos
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 08/02/2008, Internacional, p. A11

Capitais nacionais passarão a controlar mais de 60% da produção de petróleo na Argentina este ano, depois de concretizada a venda de 25% das ações da maior petroleira do país, a Repsol YPF, para o empresário Enrique Eskenazi. Hoje estão com empresários locais pouco mais de 20% da produção, mesmo percentual de 2003, quando o ex-presidente Néstor Kirchner assumiu o comando do país.

O controle argentino sobre a YPF poderá ser ainda maior já que sete províncias (estados), que concentram as reservas de petróleo e gás do país, estão negociando a compra de outros 10% do capital da subsidiária diretamente com a Repsol na Espanha (veja quadro).

A "argentinização" dos recursos energéticos foi um projeto ao qual Kirchner dedicou especial atenção em seu governo (de maio de 2003 a dezembro de 2007). No caso do petróleo e gás, seria uma resposta à queda da produção interna, dominada por estrangeiros desde os anos 90, quando a YPF foi privatizada pelo ex-presidente Carlos Menen (1989-99) e vendida aos espanhóis. Um ano antes de Kirchner chegar à Casa Rosada, a terceira maior empresa, Perez Companc, havia sido vendida à Petrobras.

De 1998, quando atingiu seu recorde de 49,2 milhões de metros cúbicos por dia (m3/dia), a produção de petróleo na Argentina vem caindo sistematicamente até os 38,2 milhões de m3/dia em 2006. Pelos últimos dados disponíveis, até agosto de 2007, a produção caiu mais 2,1%. O país vive hoje uma crônica falta de combustíveis, que tem afetado desde os proprietários de carros de passeio até setores inteiros como o agronegócio.

A venda de ações da YPF para um sócio local passou pelo crivo do governo argentino, como confirmou em janeiro o embaixador da Espanha em Buenos Aires, Rafael Estrella, ao jornal "Perfil".

Os Kirchner (Néstor e agora sua mulher, Cristina, que assumiu a Presidência em dezembro) têm estimulado um grupo de empresários locais com quem têm mais afinidade a investir no setor energético. O "estímulo" incluiu a proibição, no ano passado, da venda de 50% do capital da Transener, maior empresa de transmissão de eletricidade do país, ao fundo de investimento americano Eton Park.

A Petrobras, que controlava a Transener foi obrigada a desfazer a transação com os americanos, porque a Secretaria de Energia e a Comissão de Defesa da Concorrência vetaram o negócio. As ações acabaram vendidas a um empresário argentino, Gerardo Ferreyra, que se juntou a outro grupo local, o Dolphin, do empresário Marcelo Mindlin, que já dividia a propriedade da empresa com a Petrobras.

Rosario Sica, presidente da Federação Nacional das Empresas de Distribuição de Combustíveis (Fecra), vê com reservas o avanço do capital nacional sobre o controle do setor energético. Se o objetivo é resolver o problema de queda da produção de petróleo, opina Rosario, seria necessário mais que uma troca de investidores. "Estamos pedindo ao governo que faça um plano energético de longo prazo", disse a empresária ao Valor.

Sica critica a política atual para o petróleo que, segundo ela, desestimula investimentos e tem obrigado a importação de combustíveis e gás dos vizinhos Brasil e Bolívia a um alto custo. "Este governo aumentou as retenções às exportações de combustíveis, aplica cotas de vendas aos postos e um controle que causa assimetria de preços, provocando desabastecimento."

A economista Verónica Sosa, da a consultoria Economía & Regiones, é outra que aponta a política de preços do governo como a responsável pela queda da produção. Em 2006, ela elaborou o primeiro relatório que alertava que a Argentina passaria de exportador a importador líquido de petróleo já a partir de 2008. Hoje ela acha que a tendência não se alterou, mas vê mudanças no cenário com a entrada de capital local no setor.

Primeiro, diz Verónica, as petroleiras já foram autorizadas a dar reajustes importantes nos preços finais a partir do ano passado, embora os aumentos ainda não tenham superado a inflação e os custos de produção. Segundo, lembra, a presidente Cristina Kirchner liberou em janeiro as exportações, que haviam sido suspensas no fim do ano passado. Outro dado que não pode ser desprezado, diz, são os investimentos em andamento em infra-estrutura de transporte e distribuição de combustíveis, como os gasodutos Norte e Sul.

Mas, para Sosa, o movimento mais importante é a entrada das províncias no capital da YPF. É que a maior parte das concessões de exploração vence entre 2016 e 2017, um prazo muito curto, segundo ela, para que uma empresa planeje investimentos no aumento da produção. Pela lei argentina, as províncias são donas das concessões e decidem por sua extensão ou cancelamento. "As províncias têm interesse e podem ajudar na prorrogação dos contratos, estabelecendo um marco regulatório mais adequado para estimular a exploração de novas jazidas."

O economista Manuel Solanet é cético quanto ao sucesso da "argentinização". "Não importa a nacionalidade, o que importa é a capacidade de investimentos, a qualidade das empresas e as regras."