Título: Empresas chinesas ganham força no mercado global
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 08/02/2008, Opinião, p. A12

As grandes empresas estatais chinesas estão em plena temporada de compras no mercado internacional. O acúmulo de quase US$ 1,5 trilhão em reservas na China não apenas mudou o jogo do financeiro internacional, com mudanças de paradigma - dinheiro chinês financiando o déficit americano - como tem potencial para alterar o mapa das fusões e aquisições mundiais e também a configuração de forças em vastos setores da economia. O foco da mais recente investida dos chineses é emblemático: mineração.

A rápida, coordenada, cautelosa e surpreendente compra de 9% do capital da anglo-australiana Rio Tinto, a terceira maior mineradora do mundo, mostra uma mudança de qualidade no planejamento da investida no exterior das estatais chinesas. Até há pouco, havia sérias dúvidas sobre a capacidade de arregimentação dessas empresas pelo governo chinês. A imagem predominante era a de que elas realizavam incursões esporádicas e oportunistas em vários mercados, sem objetivos comuns. A compra de parte do capital acionário da Rio Tinto, entretanto, passa a mostrar um alinhamento entre os interesses do Estado e os das estatais enquanto empresas, para assegurar o suprimento de commodities que sustente a rápida expansão econômica. Elas entraram em uma disputa de mercado para evitar que eventual monopolização de alguns setores, como o das commodities metálicas, traga uma indesejável elevação de preços.

O objetivo da aliança com a americana Alcoa para levar um bom pedaço da Rio Tinto teve como objetivo implícito impedir que a BHP Billiton seja bem-sucedida em sua tentativa de compra hostil da mineradora. Anteontem a BHP ofereceu US$ 147 bilhões a serem pagos integralmente em ações pela Rio Tinto. Os primeiros lances não foram decisivos e a Rio Tinto já rejeitou a proposta inicial, por considerar que o preço não era adequado. A junção das duas companhias criaria uma megamineradora bastante distanciada de seus rivais, com poder de determinar os preços de um leque de metais estratégicos, a começar pelo minério de ferro. Especula-se que a Chinalco, que tornou-se acionista da Rio Tinto, poderá fazer contraproposta para impedir que a BHP tenha total controle da companhia.

Estas ações se combinam com outros possíveis passos no tabuleiro da consolidação da mineração mundial. Há rumores no mercado de que o Banco de Desenvolvimento da China, o maior do país, está em negociações secretas para comprar os 34,6% de participação que a Glencore tem na Xstrata, objeto de cobiça da Vale do Rio Doce. A proposta da Vale não foi feita ainda e deve atingir de US$ 80 bilhões a US$ 90 bilhões, com algo em torno de US$ 50 bilhões em dinheiro e o restante em ações. O raciocínio dos chineses, neste caso, é o mesmo: impedir a concentração excessiva do setor nas mãos de dois players, que teriam enorme margem para determinar as condições dos negócios futuros.

Os competidores chineses são temidos e sabem disso. As estatais desviaram seu foco para a compra de fatias minoritárias, já que sua primeira estréia em grande escala - a tentativa de compra do controle da companhia americana de petróleo Unocal - foi um fracasso. A estatal chinesa Cnooc teve suas pretensões explicitamente barradas pelo governo dos Estados Unidos. Os temores podem, até certo ponto, ser justificados. O governo chinês nada em dinheiro, não tem problema de financiar suas estatais e estas, por sua vez, não precisam necessariamente fazer negócios altamente lucrativos. Para atender ao interesse do Estado podem até perder dinheiro.

Parece haver uma divisão de trabalho chinesa que sugere coordenação em maior nível que no passado. Enquanto o fundo soberano chinês se empenha em comprar participações em grandes instituições financeiras, como o Morgan Stanley e o Standard Bank, as empresas estatais vão atrás das commodities para abastecer o país. Nos últimos meses, os chineses investiram em projetos de cobre no Peru e Afeganistão, níquel em Mianmar, tungstênio na Tasmânia, e vários metais na África - o alvo principal até agora. Há tempos o governo chinês abandonou o ranço ideológico expresso, por exemplo, em aventuras como a do "grande salto para a frente" para poder ter um crescimento invejável. Agora, parecem confiar mais nas virtudes prosaicas do que já se chama de "o grande cheque vermelho".