Título: A União Européia no Afeganistão
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 08/02/2008, Opinião, p. A13

A retirada do nome do britânico Paddy Ashdown como candidato ao posto de enviado da ONU ao Afeganistão implica que a comunidade internacional ainda tem um caminho a percorrer, antes que fale em uníssono naquele país. Essa voz unificada é necessária, pois seis anos de guerra e a maior operação militar na história da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) não conseguiram esmagar a insurgência afegã, deixando o governo cada vez mais corrupto do presidente Hamid Karzai dependente da continuada presença de forças internacionais.

O Afeganistão continua sendo o quinto país mais pobre do mundo e seu maior produtor de ópio, com um fraco Estado central ainda mais debilitado por comandantes de milícias locais e pelos insurgentes Talebans. Há muitas razões para esse cenário, mas pelo menos parte da culpa cabe à União Européia (UE).

No papel, o esforço da UE parece impactante. Vinte e cinco países da UE contribuíram com tropas para o exército de 35 mil soldados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) no Afeganistão, e hoje constituem mais de metade do total de forças militares. Os países da UE comandam um terço de todas as Equipes de Reconstrução Provincial (ERP), e juntamente com a Comissão Européia (CE) arcaram com os custos de um terço da reconstrução do país após 2001.

Mas o apoio europeu à missão no Afeganistão é, na verdade, limitado e a cooperação entre os maiores governos doadores da UE e a CE continua inadequada.

O apoio da opinião pública ao engajamento europeu vem despencando, e a maioria dos governos da UE não atenderam ao pedido da Otan no sentido de um aumento substancial no nível de tropas. Uma exceção é o Reino Unido, que recentemente prometeu ampliar seu número de soldados na inquieta província de Helmand, conhecida por seu cultivo da papoula. Mas as contribuições européias em termos do número de soldados continua aquém dos 17 mil soldados americanos alocados na Força de Apoio de Segurança Internacional (Fasi) e seus 8 mil militares na força de coalizão fora da Fasi.

À parte os 1,5 mil soldados holandeses na vizinha província de Uruzgan e de uma presença polonesa e romena em Ghazni, Paktika e Zabul, nenhum outro país da UE mostra-se disposto a atuar no sul e leste do país, regiões infestadas pela insurgência no país, dando liberdade de ação ao Taleban. No total, há pelo menos 60 dessas restrições operacionais - denominadas "caveats" - às forças militares européias, impedindo que seus comandantes aloquem soldados onde são mais necessários.

Em áreas como de policiamento, império da lei e ações anti-narcóticos, os países da UE vêm praticando políticas totalmente independentes uns dos outros. A Missão Policial da UE (Eupol, na sigla em inglês), inaugurada em junho de 2007, visava corrigir essa ausência de coordenação, mas, no fim das contas, seu foco ficou limitado a reforma da polícia, tendo a Comissão bancado um programa judicial separado. A Eupol começou mal, perdendo seu primeiro comandante, e enfrenta graves problemas no recrutamento de pessoal de alto calibre.

Finalmente, a ajuda anual da Comissão ao desenvolvimento do Afeganistão está caindo, neste ano, de 200 milhões de euros para 150 milhões de euros. Os compromissos de países individuais também estão sendo diminuídos - por exemplo, o aporte francês de 33 milhões de euros durante cinco anos para apoio à reconstrução é extremamente baixo, em comparação com seu orçamento total para ajuda externa, de 9 bilhões de euros.

-------------------------------------------------------------------------------- O apoio da opinião pública ao engajamento europeu vem despencando e os governos da UE não atenderam ao pedido da Otan para aumento de tropas --------------------------------------------------------------------------------

A UE sozinha não têm condições de modificar a estratégia da coalizão internacional. Mas uma UE unida pode atuar como poderosa defensora de uma abordagem internacional melhor e mais bem coordenada.

Os EUA têm argumentado que mais soldados são necessários para dominar o terreno, criticando vigorosamente governos da UE por não terem intensificado seus esforços, no momento em que os EUA alocam mais 3,5 mil fuzileiros navais à luta. Os países europeus, por seu turno, criticam a estratégia militar atual. Eles temem que mais tropas poderão apenas resultar em mais baixas civis, criando uma reação negativa dos afegãos.

Sem um grande acordo entre os EUA e a UE que assegure maior apoio e soldados europeus, o êxito no Afeganistão será elusivo e as tensões que prejudicam a aliança com os EUA perdurarão.

Tal pacto precisa conter dois elementos. Em primeiro lugar, a UE deveria comprometer-se em engajar mais soldados, instrutores e civis à missão Afeganistão, bem como remover todos os "caveats" à atuação de suas tropas. A missão necessita uma expansão de 10% em suas tropas, mais instrutores militares e policiais, e mais equipamento militar, inclusive helicópteros. Além disso, a Comissão deveria reverter o declínio na ajuda e gastar mais dinheiro através de governos locais e PRTs.

Em troca, os EUA deveriam aceitar uma mudança estratégica - de operações de combate para segurança humana. Tal estratégia significa focalizar maior atenção em cidadãos afegãos comuns, irradiando gradualmente a presença de segurança da Otan a partir do centros populacionais, e trabalhando em íntima colaboração com autoridades estaduais e locais.

Essa nova estratégia resultaria ainda mais fortalecida se a comunidade internacional abandonasse a atual política anti-narcóticos - inclusive com o fim da erradicação aérea - e ajudando Karzai a firmar acordos políticos com insurgentes "moderados" de médio escalão.

Tudo isso exigirá liderança que prevaleça através de fronteiras institucionais, o que pode ser assegurado apenas pela ONU e por indivíduos dotados de muito empenho. A nomeação de um novo emissário da ONU deveria revelar-se uma maneira mais eficiente de coordenar os países envolvidos na ajuda ao Afeganistão. E esperamos que o escolhido, seja quem for, possa ter condições de fomentar o grande pacto entre os EUA e a UE, tão necessário.

Apesar da deterioração da situação no Afeganistão, nem tudo está perdido. Mas reverter o cenário exigirá mudar o modo de operação da comunidade internacional. Ao firmar um pacto com os EUA, a UE deveria liderar os esforços.

Daniel Korski, analista sênior de Política Internacional no Conselho Europeu para Relações Exteriores (CERE), é autor de relatório do CERE sobre o Afeganistão a ser publicado em breve. © Project Syndicate/Europe´s World, 2008. www.project-syndicate.org