Título: Governo tem de encarar corte de despesas a sério
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 07/01/2008, Opinião, p. A12

As medidas anunciadas pelo governo para reequilibrar as contas públicas após o fim da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) ainda são insuficientes para assegurar o cumprimento da meta de superávit primário de 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB) e para manter a rota declinante da dívida pública.

O governo garante que irá preservar a disciplina fiscal, mas ainda falta dizer como. Em conjunturas de incerteza, o mercado financeiro costuma embutir prêmios de risco nos juros futuros, encarecendo a rolagem da dívida pública e impondo um ônus aos investimentos produtivos.

De certo, até agora, existe apenas um aumento de tributos de R$ 10 bilhões, por meio de decreto e medida provisória (MP). O grosso do dinheiro virá da majoração das alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), um tributo com fins regulatórios. Ao usá-lo com fins meramente arrecadatórios, o governo cria novas distorções na economia, reduzindo a sua eficiência e competitividade.

Outros R$ 20 bilhões virão, promete o governo, do corte de despesas. Não há definição precisa sobre os programas atingidos. O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, reconhece que será necessário adiar investimentos, ainda que o compromisso seja o de preservar os projetos previstos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Mesmo que se admita que o governo será capaz de fazer o ajuste fiscal sem sacrificar o PAC, algo que analistas econômicos consideram improvável, ainda assim o corte em outros projetos de investimentos terá efeitos negativos, comprometendo o aumento da capacidade produtiva e limitando o crescimento de médio prazo da economia.

Para fechar as contas, o governo fez uma reestimativa das receitas tributárias, que cresceriam em 2008 mais R$ 10 bilhões além do inicialmente previsto, puxadas pela forte expansão da atividade econômica. Dessa forma, algo como um quarto do ajuste fiscal irá se fiar em receitas tributárias cíclicas, em um momento em que crescem as dúvidas sobre os impactos no crescimento mundial de uma cada vez mais provável recessão americana.

O quadro de incertezas exige uma atitude menos vacilante da política fiscal. O desarranjo fiscal clama por cortes profundos nos gastos correntes do governo que, ao mesmo tempo, permitam a preservação de investimentos públicos indispensáveis ao aumento do PIB potencial e reduzam as pressões inflacionárias.

Quando o Banco Central ameaça com a manutenção ou mesmo alta na taxa básica de juros, o governo daria uma contribuição relevante com a redução de sua demanda, aliviando a pressão sobre os preços de bens não transacionáveis, justamente os mais inflexíveis porque não estão sujeitos à competição das importações. De quebra, ajudaria a atenuar a tendência de valorização do real, ao reduzir os preços de bens não comercializáveis em relação aos de bens comercializáveis.

É fato, deve-se reconhecer, que o elevado grau de rigidez do orçamento reduz em muito a margem de manobra do governo. As despesas primárias previstas no orçamento são de R$ 519 bilhões, mas as despesas discricionárias, ou seja, não obrigatórias, somam apenas R$ 41,6 bilhões, aí incluídos investimentos.

Desse total, estão sob controle do Executivo R$ 35 bilhões, já que R$ 6,6 bilhões estão nas alçadas do Legislativo, do Judiciário e do Ministério Público. O governo já se comprometeu a fazer reajustes automáticos do salário mínimo, vinculados à inflação e à taxa de crescimento do PIB, o que elevará os gastos da Previdência para R$ 198,7 bilhões em 2008.

A rigidez orçamentária foi criada ao longo de décadas, iniciando pelas vinculações da Constituição de 1988, mas parte da responsabilidade é também da política fiscal do governo Lula, que expandiu os gastos correntes.

O espaço para, no curto prazo, tomar medidas fiscais mais ousadas é reduzido, mas não deve ser usado como justificativa para uma atitude de leniência fiscal. Caberia sinalizar uma política mais sólida no médio e longo prazo, limitando gastos com o funcionalismo, eliminando a indexação do salário mínimo e apresentando ao país um projeto de reforma da Previdência.