Título: Calamidade na fiscalização
Autor: Torres, Izabelle
Fonte: Correio Braziliense, 08/02/2011, Política, p. 8

A comoção nacional em torno das enchentes que atingiram o nordeste em julho do ano passado resultou na edição rápida da Lei Ordinária nº 12.340/2010. Uma das principais mudanças promovidas pela legislação foi a possibilidade de o dinheiro ser repassado a estados e municípios depois do simples decreto de calamidade. A proposta foi feita pelo DEM e recebida com restrições pelo governo, que alegou que a ausência de um relatório sobre os gastos poderia facilitar o mau uso do dinheiro. Agora, meses depois da aprovação da norma e diante de denúncias de desvios das cifras que deveriam socorrer as vítimas, a discussão sobre a participação do Congresso na edição de regras que dificultem os desfalques volta à pauta.

A Controladoria-Geral da União (CGU), responsável pela fiscalização e denúncias de corrupção espalhadas pelo país, tem defendido a criação de um portal específico de todas as contratações realizadas pelos órgãos públicos, inclusive as que são realizadas em caráter emergencial e que fogem aos olhos de quase todos os mecanismos de controle durante sua execução. Além disso, técnicos do órgão já iniciaram conversas com parlamentares pedindo uma ampla reformulação das leis processuais brasileiras.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, também defende novas leis. Segundo ele, os congressistas acertaram quando responderam rapidamente ao apelo das populações atingidas pelas enchentes de julho, mas esqueceram de aperfeiçoar a legislação no que se refere à fiscalização. ¿Acho que foi um acerto retirar alguns entraves. No entanto, foi um erro deixar o tema de lado e não aprovar um projeto paralelo intensificando a fiscalização desses convênios fechados às pressas. Isso terá de ser feito rapidamente¿, opina.

Vácuo Apesar do discurso entoado pelos órgãos de fiscalização e de entidades de classe, deputados e senadores não apresentaram propostas para aprimorar o controle dos recursos liberados sobre a rubrica de emergência ou calamidade. Na lista de proposições, incluindo as que foram arquivadas com o fim da legislatura, só constam projetos cuja pretensão é a de reduzir a burocracia em torno da liberação dessas verbas.

A ausência de leis dificulta a apuração dos desvios. Isso porque, pelas regras atuais, cabe ao ministério que liberou os recursos instaurar um processo de Tomada de Contas Especial diante de denúncias ou suspeitas de irregularidades. A CGU apenas opina sobre o rito desse procedimento e encaminha o relatório final para o Tribunal de Contas da União (TCU). ¿O processo é lento. Somente se o Congresso editar novas leis e o TCU passar a fiscalizar o processo de perto durante todas as suas fases será possível realmente punir e descobrir as irregularidades a tempo. Caso contrário, continuará esse faz de conta em torno das punições¿, diz Ophir Cavalcante.

Casos de devolução A nova lei surgiu a partir da MP nº 494/2010, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Defesa Civil. A matéria normatiza as transferências de recursos para ações de socorro, assistência às vítimas, restabelecimento de serviços essenciais e reconstrução nas áreas atingidas por desastres. A única punição prevista no texto é a possibilidade de a União obrigar os entes beneficiados a devolver os recursos recebidos caso fique comprovada a presença de vícios nos documentos apresentado, ou a inexistência do estado de calamidade pública ou da situação de emergência declarados inicialmente.