Título: A próxima missão do FMI?
Autor: James, Harold
Fonte: Valor Econômico, 07/01/2008, Opinião, p. A13

A economia mundial está cada vez mais ameaçada pelas reações voláteis do mercado aos desequilíbrios globais, num momento em que o FMI já perdeu, em grande parte, a sua raison d´être original como a instituição monetária central do mundo. Esses dois desdobramentos deveriam estimular o Fundo a reivindicar um novo propósito, de administrador das reservas do mundo.

Na década de 1960, o FMI administrava os problemas de todas as grandes economias e, nas décadas de 1980 e 1990, ele evoluiu para gerenciador de crises dos mercados emergentes. Esta tarefa, porém, ficou mais árdua atualmente, em função do tamanho de algumas economias emergentes de grande porte. E, de toda forma, o foco do nervosismo financeiro está se deslocando de volta para os países do núcleo da economia mundial, como Estados Unidos, Reino Unido, Austrália, que estão cobrindo vastos déficits em conta corrente com superávits de países muito mais pobres.

Esses superávits refletem altas taxas de poupança, tanto no setor privado como no público, em economias asiáticas emergentes e produtoras de petróleo, que resultaram no seu acelerado acúmulo de reservas cambiais. Isso, contudo, dificilmente poderá ser considerado uma benção para esses países. Suas reservas se tornaram tão vastas que mesmo o anúncio de um pequeno deslocamento nos ativos - digamos, de euros para dólares - pode abalar mercados e provocar oscilações e pânico. A exemplo de regimes passados, que ofereciam uma variedade de ativos (por exemplo, o dólar, a libra esterlina e o ouro, no período entre guerras), a instabilidade é inerente.

As tentativas dos países detentores desses novos superávits, de encontrar ativos de reserva alternativos, têm sido problemáticas. Grande parte da atenção tem se fixado nas reservas de US$ 1 trilhão da China, e nas suas tentativas de manter o valor daqueles ativos. A diversificação em relação aos títulos do Tesouro dos EUA, quando o país investiu cerca de US$ 3 bilhões no fundo de private equity Blackstone neste verão, foi rapidamente seguida de uma constrangedora queda em valor.

Na outra ponta, os governos dos países industrializados anseiam para que os novos fundos soberanos estejam sendo usados estrategicamente, em vez de simplesmente seguirem a lógica do mercado. Mesmo o modelo bem sucedido de fundos soberanos, o Temasek de Cingapura, que por muito tempo passou despercebido, agora atrai um nível de atenção que seus donos e gestores jamais desejaram.

A ansiedade crescente é compreensível. Afinal, considerando-se que os bancos centrais das economias de mercado emergentes e os fundos soberanos hoje efetivamente dominam os mercados de capitais, os resultados já não decorrem da interação de palpites independentes, decisões ou estratégias. Quando entidades deste porte tomam decisões, são obrigadas a atuar de forma estratégica. Todos os participantes começam a suspeitar uma manipulação política.

-------------------------------------------------------------------------------- Antes de assumir a função de administrador de reservas global, os países dos superávits novos precisarão ter influência sobre a governança do FMI --------------------------------------------------------------------------------

As controvérsias resultantes podem ser resolvidas, porém, e o veneno político, neutralizado, através de supervisão por instituições multilaterais que estão comprometidas com a obtenção de um benefício universal. Esta deveria ser a função central do FMI. Hoje supervisão significa, na verdade, meramente dar conselhos. Mas na década de 1960 - quando o FMI ainda monitorava as regras do sistema de paridades da ordem de Bretton Woods antes de sua desintegração em 1971 - a fiscalização estava vinculada à eficácia do Fundo como um importante intermediário financeiro.

A capacidade do FMI de dar conselhos poderosos aos países mais importantes, como o Reino Unido, foi intensificada pela dependência destes países nos recursos do FMI. Foi o poderio financeiro do FMI que lhes deu essa força, e esse poder foi intensificado pelas tomadas de empréstimo do Fundo, inicialmente do G-10, que estabeleceu os "General Agreements to Borrow".

Nos anos que se seguiram ao colapso de Bretton Woods, o FMI se reinventou como o principal veículo para gerir os excedentes que se seguiram aos choques dos preços do petróleo da década de 1970. A instituição tomava recursos dos países detentores dos novos excedentes que, assim, administravam parcialmente os seus novos ativos através da intermediação do FMI. Consequentemente, o Fundo podia emprestar aos países que sofriam choques provocados pela elevação nos preços do petróleo.

Com efeito, um protagonista financeiro de grande envergadura pode ter um papel estabilizador. No passado, o comportamento anticíclico de instituições privadas de grande porte estabilizou expectativas de mercado durante períodos de pânico. A casa dos Rothschild estabilizou a primeira metade do Século XIX. Nos grandes períodos de pânico de 1895-6 e 1907, J.P. Morgan tranqüilizou a economia dos EUA. Na época da Grande Depressão na década de 1930, não havia nenhum poder equivalente. Em 2007, há alguns sinais de que o Goldman Sachs se sente obrigado a se mover contra a corrente para estabilizar mercados.

O FMI poderia ser um poderoso estabilizador financeiro se gerisse uma parte considerável dos ativos dos países com os novos superávits, pois estaria bem posicionado para resistir às apostas dos especuladores. Isso em última instância beneficiaria os donos das reservas que, por acumularem vastos superávits, têm um interesse semelhante na estabilidade financeira e econômica do mundo. Ao mesmo tempo, a gestão das reservas por um administrador de ativos controlado internacionalmente afastaria suspeitas e dúvidas sobre o uso dos ativos para fins políticos estratégicos.

Para implantar essa tarefa completamente nova, porém, o FMI precisaria reconquistar a confiança dos seus membros. O aumento das reservas em muitos países asiáticos foi uma reação deliberada à crise financeira de 1999, que alimentou a desilusão com o FMI. Portanto, antes de assumir a função de administrador de reservas global, os países dos novos superávits precisarão ter substancialmente mais influência sobre a governança do Fundo. Só então eles poderão se assegurar de que não estarão sujeitos a uma manipulação politicamente motivada.

Harold James é livre-docente de História e Relações Internacionais na Universidade Princeton. É autor do "The Roman Predicament". © Project Syndicate/Europe´s World, 2007. www.project-syndicate.org