Título: Crise em seguradoras americanas afeta bônus de empresas do Brasil
Autor: Lucchesi, Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 08/02/2008, Finanças, p. C1

Até US$ 2,4 bilhões em títulos emitidos por empresas brasileiras como Petrobras, Aracruz, Vale, Bradesco, Itaú e Unibanco poderão ter sua classificação de risco de crédito rebaixada caso as seguradoras XL Capital, Ambac e MBIA, hoje no centro do furação financeiro, tenham suas notas reduzidas pela Moody's, Standard & Poor's e Fitch. O prejuízo fica com os investidores que compraram os papéis, pois o preço dos títulos ficará menor.

As empresas e os bancos brasileiros costumavam usar o seguro de risco de crédito dessas seguradoras, também chamadas de "mononliners", para conseguir notas "AAA" ou "Aaa" (a melhor possível) para seus papéis lastreados em recebíveis de exportação ou fluxos financeiros. As notas mais elevadas garantiam que as emissões pagassem rendimentos menores aos investidores e também tivessem prazos mais longos.

O movimento de emissão desses papéis por brasileiros, que começou em 2000, chegou a seu ápice em 2003. Naquela época, logo após as eleições de Lula e com o mercado ainda em dúvidas sobre o significado da vitória, faltava crédito externo para empresas brasileiras, mesmo as maiores. A securitização de recebíveis de exportação - venda de títulos lastreados em recursos a receber no exterior - tornou-se uma alternativa importante de captação para os exportadores.

Também os bancos brasileiros emitiam títulos lastreados nas ordens de pagamentos enviadas pelos seus clientes no exterior ao Brasil. Todos esses emissores brasileiros recorreram à Ambac, XL Capital e MBIA para melhorar o "rating" dos papéis. Chegou a faltar em 2003 seguro dessas "monoliners" para o Brasil.

A estrutura de securitização já garantia a nota "BBB" ou "Baa", o primeiro degrau do "grau de investimento", selo de investimento não-especulativo, para títulos de empresas como Petrobras, Vale e Aracruz, que na época não eram "grau de investimento". A razão: é criada uma empresa de propósito específico no exterior, subsidiária das exportadoras, que já fica com os recebíveis de exportação das grandes empresas antes que os recursos entrem no país, eliminando o risco de que uma centralização cambial impedisse a saída de dinheiro do país para pagar os investidores externos.

Os bancos criaram estruturas semelhantes, com empresas de propósito específico subsidiárias que emitiam títulos lastreados nas ordens de pagamentos enviadas pelos seus clientes no exterior ao Brasil.

Como são securitizadas as transferências feitas por meio da Swift , uma câmara de compensação e liquidação internacional, no código MT 100 ("Money Transfer 100"), esse tipo de operação ficou muito conhecida como "MT 100". Também nesse caso o fluxo de recursos vai para a sociedade de propósito específico antes de entrar no país, eliminando o risco político de uma centralização cambial.

Muitas securitizações terminaram aí, com classificação de risco de crédito "BBB" ou "Baa". O investidor ficou com o risco comercial, de a empresa não exportar o prometido ou de o banco não ter mais clientes no exterior. Mas, se o emissor queria a classificação de risco de crédito "AAA" ou "Aaa" para seus papéis, recorreu então à Ambac, MBIA e XL Capital.

Essas seguradoras, que tinham o rating máximo até o final do ano passado, garantiam o pagamento no caso de a empresa ou o banco brasileiro não ter a performance prevista durante a vida útil do papel de securitização emitido.

Agora, muitas dessas "monoliners" acabaram com sua classificação de risco de crédito colocada em observação para possível rebaixamento, por causa das perdas com o mercado de hipotecas de alto risco e com os diversos tipos de operações estruturadas derivadas dessas hipotecas que essas seguradoras garantiram. A Fitch Ratings já rebaixou, no dia 18 de janeiro, a Ambac para "AA". A Standard & Poor's e a Moody's ameaçam fazer o mesmo e com todas as "mononliners".

Se isso acontecer, os papéis brasileiros no valor de até US$ 2,4 bilhões ainda no mercado devem ser rebaixados também. O total foi calculado como se todos os papéis pagassem apenas juros e tivessem uma só amortização do principal no final de sua vida útil. É importante notar que alguns desses títulos de securitização podem ter amortizações parciais anuais ou ainda resgates parciais antecipados.

Não se sabe ao certo qual o tamanho de capital necessário para que as "monoliners" mantenham os seus ratings atuais. Há quem defenda que o socorro de US$ 15 bilhões que chegou a ser cogitado não seria suficiente. Há quem fale em números tão elevados quanto US$ 200 bilhões.

Segundo os analistas Chris Flanagan e Kedran Garrison Panageas, do JPMorgan, as seguradoras garantem US$ 2,4 trilhões em bônus e estão com perdas que podem chegar a US$ 41 bilhões. Segundo a Standard & Poor's, essas seguradoras forneceram proteção para US$ 125 bilhões em parcelas de baixo risco de pacotes de empréstimos (CDOs) que foram adquiridos pelos bancos.

Inúmeros investidores e bancos correm o risco de ter mais perdas ao verem o valor de seus ativos reduzidos com o rebaixamento do rating das "mononliners". Por isso há em estudo no mercado e entre as autoridades internacionais um pacote para socorrer essas seguradoras.

Segundo a CNBC, os bancos dispostas a ajudar seriam o Barclays, o BNP Paribas, o Citigroup, o Société Générale, o UBS, o Wachovia, o Royal Bank of Scotland (RBS) e o Dresdner.