Título: MT vai reestruturar dívida com ajuda privada
Autor: Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 20/02/2008, Brasil, p. A4

Marisa Cauduro/Valor Blairo Maggi, governador do Mato Grosso: proposta será apresentada hoje para a Assembléia Legislativa O governador do Mato Grosso, Blairo Maggi (PR), anuncia hoje formalmente a proposta de refinanciamento da dívida estadual consolidada com a União. É a primeira reestruturação global com a participação do setor privado, uma janela aberta pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos governadores no início do ano passado, como alternativa à renegociação das dívidas estaduais.

A proposta de Maggi consiste na tomada de um empréstimo de R$ 4,6 bilhões junto ao Banco do Brasil. Os recursos seriam usados integralmente para quitar os 86% da dívida estadual de R$ 5,3 bilhões que foram federalizados pelo acordo entre o governo Fernando Henrique e os Estados em 1997. O empréstimo seria pago em 30 anos, com juros fixos . Segundo o novo secretário da Fazenda de Mato Grosso, Éder Moraes, a taxa ficará entre 11% a 12% ao ano. Atualmente, o governo estadual paga juros de 6%, além da correção monetária pelo IGP-DI. Moraes afirma que, nos últimos dez anos, o Estado pagou, em média, o equivalente a 16,5% ao ano, entre juros e correção monetária.

O novo secretário, que será empossado amanhã, diz que o BB deverá constituir uma sociedade de propósito específico, provavelmente com o grupo Merrill Lynch, para realizar o empréstimo. Esta sociedade irá securitizar este valor, captando investidores no exterior. Segundo Moraes, o texto que será apresentado hoje à Assembléia Legislativa do Mato Grosso estabelece que, nos primeiros seis anos de pagamento do empréstimo, haverá um redutor de 50% sobre o que será repassado aos credores. Esta diferença irá constituir um fundo, cujos recursos seriam utilizados para investimentos em infra-estrutura. Na prática, equivaleria ao Estado contrair novos empréstimos para investir.

Os últimos detalhes da proposta foram fechados em uma reunião no fim de semana, na Costa do Sauípe, próximo a Salvador, entre o governador e representantes do BB. No dia 12, o banco estatal e executivos da Merrill Lynch estiveram em Cuiabá para a formatação do texto. Embora o grupo financeiro estrangeiro esteja participando das negociações, Moraes afirma que o parceiro externo será escolhido pelo Banco do Brasil e que outros grupos podem ser convidados. "O nosso contrato será com o Banco do Brasil", diz.

Moraes, que é presidente da agência de fomento do Estado, e o consultor privado Vivaldo Dias, ligado à Fundação Getúlio Vargas-RJ, foram encarregados pelo governador da busca de potenciais investidores interessados em realizar o refinanciamento, em julho do ano passado. O envolvimento do Banco do Brasil na operação foi garantido por um dos vice-presidentes da instituição, o ex-governador goiano Maguito Vilella (PMDB), que esteve em Cuiabá para garantir a Maggi que o BB concordava com o refinanciamento.

Moraes e Vivaldo entraram em contato então com o Credit Suisse, o Merrill Lynch e o banco UBS. Os dois primeiros bancos apresentaram propostas, que envolviam o lançamento de títulos públicos pelo Estado, algo vedado pela resolução do Senado que disciplinou os acordos de federalização da dívida. Uma primeira reunião para tratar do tema com o governo federal aconteceu em 26 de novembro, com o ministro da Fazenda, Guido Mantega e o secretário do Tesouro Nacional (STN), Arno Augustin. Neste encontro, a hipótese de lançamento de títulos foi descartada.

Em uma segunda reunião, no dia 27 de dezembro, foi levada à STN a proposta que será formalizada hoje. Surgiu então um novo impasse. A STN quis que o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) participassem da operação, nos mesmos moldes da negociação que foi feita com a dívida do Rio Grande do Sul. Foi a vez do governo do Mato Grosso resistir, por dois motivos: o primeiro é que o BID e o Banco Mundial têm limites para empréstimos estaduais que não permitiriam a liberação do refinanciamento de R$ 4,6 bilhões em uma única parcela.

No caso do Rio Grande do Sul, por exemplo, a governadora Yeda Crusius (PSDB) só conseguiu refinanciar R$ 1 bilhão da dívida estadual que gira em torno de R$ 33 bilhões. O segundo motivo é que o BID e o Banco Mundial iriam querer aprovar os projetos de infra-estrutura que seriam financiados com o fundo gerado pelo pagamento menor do empréstimo nos primeiros seis anos. E o Estado quer carta branca para investir. Diante da resistência, segundo Moraes, a STN não insistiu.

No fim de janeiro e na primeira semana de fevereiro, representantes do Merrill Lynch e do Credit Suisse estiveram em Brasília, para reuniões com o governo do Mato Grosso e a STN para a apresentação de propostas do empréstimo. O Credit Suisse propôs a cobrança do equivalente à remuneração dos títulos do Tesouro brasileiro, cerca de 13,9%, além de um adicional de 0,2%, o que resultaria em juros fixos de 14,1% ao ano. O Merrill Lynch propôs valor abaixo desse percentual, que Moraes se recusou a precisar. "É entre 11% e 12% ao ano".

Segundo Moraes, o estabelecimento de parcelas fixas deve fazer com que a longo prazo diminua o nível de comprometimento da receita corrente líquida do Mato Grosso com o pagamento da dívida. Hoje, o limite contratual é 15%. "Como se tratam de parcelas fixas, nosso comprometimento cairá à medida que a receita líquida crescer", afirma o secretário, que não considera a hipótese - matematicamente possível - do comprometimento aumentar, caso a arrecadação caia. "Isso nunca aconteceu, nem mesmo nas piores crises econômicas que o Mato Grosso atravessou", disse.

O novo secretário da Fazenda afirmou que o BB terá as mesmas garantias que dispõe hoje para o cumprimento do contrato. "No caso de um novo governador assumir e querer denunciar o contrato como lesivo ao Estado, não terá como fazê-lo sozinho. Caso suspenda os pagamentos, o Banco do Brasil terá o poder de fazer o bloqueio do valor na conta do Estado", disse.

Uma vez aprovado pela Assembléia Legislativa local, o acordo será encaminhado para análise da Secretaria do Tesouro Nacional e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional . Por último, o projeto irá ao Senado para votação.