Título: Lula felicita processo de transição tranqüilo
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Fonte: Valor Econômico, 20/02/2008, Especial, p. A12

Desde o primeiro momento em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva botou os pés em Havana, na noite abafada de 14 de janeiro passado, até a hora em que se despediu de Raúl Castro, 24 horas depois, sob forte chuva e um apagão elétrico, tornou-se perceptível para a comitiva brasileira que o regime cubano estava em vias de consolidar uma transição de poder.

Apesar do temporal, cerca de 30 jornalistas não arredaram o pé de um palanque armado no aeroporto, à espera do embarque de Lula de volta ao Brasil. Ele era primeiro chefe de Estado estrangeiro, em meses, a se encontrar com Fidel.

Antes de Lula dar notícias sobre a saúde de Fidel, fotografias do encontro entre os dois, realizado no final da tarde do dia 15, circularam de mãos em mãos e eram reproduzidas pelos fotógrafos, sob o temporal - "photoshopadas" (corrigidas em computador), no idioma particular dos fotógrafos, no dia seguinte elas ganhariam as páginas da imprensa mundial.

Até pouco antes das 17h da terça-feira 15 de janeiro havia dúvidas se Lula e Fidel se encontrariam. A conversa estava condicionada ao parecer dos médicos de Fidel. Todas as tratativas de Lula e dos ministros que o acompanharam se deram com Raúl Castro e outras autoridades cubanas que agora assumem de fato e de direito a tarefa de abrir Cuba para o mundo.

No governo brasileiro espera-se por uma transição ainda longa, primeiro a cargo de Raúl, mas que logo deve ser assumida por uma geração que não esteve nas montanhas de Sierra Maestra nem participou dos combates, cujo 50º aniversário já é comemorado em Cuba desde o ano passado. A média atual de idade do comitê central do Partido Comunista Cubano é de 40 anos. É com dirigentes com esse perfil que Lula procura estabelecer agora uma parceria mais pragmática e menos ideológica.

Já na segunda passada, o presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli, recebeu executivos da Companhia Cubana de Petróleo (Cupet) a fim de dar seqüencia ao acordo assinado entre as duas empresas em janeiro. Esse acordo prevê a "avaliação do potencial de blocos offshore na parte cubana do Golfo do México", além da construção de uma fábrica de lubrificantes em Havana. Entendimento parecido foi assinado em 2003, quando Lula assumiu, mas as negociações não prosperaram, como tudo indica que vá ocorrer agora.

A viagem de Lula a Havana, em 2003, sem dúvida tinha um componente bem mais emocional - o presidente brasileiro é um admirador entusiasmado da Revolução Cubana. "O Fidel é o único mito vivo da história da humanidade", disse Lula ontem. Quando deixou Cuba, na noite chuvosa de 15 de janeiro, Lula comentou com ministros que sentira que os dirigentes cubanos preparavam o terreno para o afastamento de Fidel.

Ao chegar, em conversas com auxiliares, foi ainda mais objetivo ao comentar o encontro e a conversa que tivera com Fidel. Segundo Lula, Fidel o recebera em pé e demonstrou, durante as duas horas e meia em que estiveram juntos, lucidez igual a de encontros que tiveram antes de ele adoecer. O dirigente cubano não disse a Lula que se afastaria em breve, mas disse que já não tinha mais a mobilidade de outras épocas. Para Lula, era claro que o processo de transição já estava em curso.

No dia seguinte à partida de Cuba, aliás, Fidel publicou uma de suas reflexões no "Granma", na qual reconhecia a debilidade de seu estado de saúde. Na reflexão em que comunica seu afastamento, Fidel faz menção ao arquiteto Oscar Niemeyer, segundo o qual é preciso ser conseqüente até o final. "É claro que, apesar da tristeza com que o povo cubano acompanha os acontecimentos que se seguem à renúncia de Fidel", disse Niemeyer, no Rio, "sobra para ele e toda a América Latina a certeza de que o grande líder continuará a participar desta luta contra as forças reacionárias do imperialismo norte-americano".

Lula se diz satisfeito que a transição em Cuba esteja se dando num processo muito tranqüilo. "O que nós temíamos era que uma situação adversa acontecesse num sistema turbulento, e que os cubanos de Miami tentassem achar que já era dia de voltar para Cuba e transformar Cuba num território de conflito", disse o presidente.

A pergunta que fica é se a nova geração de dirigentes terá condições de fazer a abertura esperada, mas manter os pilares do regime, numa espécie de "China do Caribe", ou se a ela se seguirá inexoravelmente uma abertura política que leve o regime ao mesmo fim de seus congêneres europeus.