Título: O custo de um estilo
Autor: Feuerwerker, Alon
Fonte: Correio Braziliense, 08/02/2011, Política, p. 4

Ou tudo está tão bem que basta tocar adiante, ou existem tantos e tamanhos abacaxis que é melhor tratar de descascar em silêncio, para não corroer o cacife político do padrinho-antecessor

A profusão de avaliações sobre o estilo de Dilma Rousseff na Presidência da República deve-se também à escassez de novidades no conteúdo. Não havendo muito a avaliar nos atos, avalia-se então o estilo.

Essa observação não deve ser lida como crítica. É apenas constatação. Nem seria justo fazer um balanço crítico com tão pouco tempo de governo. Especialmente de um governo aparentemente tão concentrado em promover a arrumação.

Os políticos não se dão trégua, mas quem olha de fora pode esperar um pouco mais. Respeitar, sei lá, a protocolar paz de cem dias. É protocolar e não custa nada.

Há porém um ruído, para o governo, nessa vacuidade. De duas uma: ou tudo está tão bem que basta tocar adiante, ou existem tantos e tamanhos abacaxis que é melhor descascar em silêncio, para não corroer o cacife político do padrinho-antecessor.

Afinal, a cada desafio corresponde pelo menos uma inação de quem esteve na cadeira até outro dia. Foi assim quando a ausência de Defesa Civil eficaz cobrou sua conta em mortos na região serrana do Rio de Janeiro. Também é assim nos remédios grátis. Ou no propalado combate ao ¿fisiologismo¿.

Até o ponto em que alguém vai parar e fazer a pergunta óbvia. Mas como é que havia tantas encrencas no governo se tudo parecia tão bem? E talvez alguém conclua que a oposição andou dizendo algumas verdades.

Em resumo, para ganhar tempo e musculatura Dilma está entrando no cheque especial do mentor.

Não afirmo que é intencional, não tenho elementos para concluir assim. Mas é um processo objetivo, ainda que resultante das múltiplas subjetividades de quem observa, analisa e deduz. Sua excelência, o cidadão.

Um sintoma é Dilma ser aplaudida bem mais efusivamente pelos adversários do que pelos aliados. E na teoria parece esperto. Cria-se uma polaridade Dilma-Lula. Se ela estiver bem, pedirá votos daqui a quatro anos para continuar. Se estiver mal, quem vai pedir o voto será ele.

Mas do jeito que vão as coisas há o risco de ele em 2014 não ser igual ao que era em 2010.

Falta também combinar com os russos. Mesmo que os russos hoje estejam mais dispostos a brigar entre si do que com os inimigos de fora. Lá na frente estarão unidos. A guerra política na oposição é real, mas é pelo comando da oposição.

Alternância Para equacionar a crônica instabilidade política no primeiro mandato Luiz Inácio Lula da Silva aliou-se, no segundo, a todas as alas do PMDB.

Mas não foi pacífico. Na época, teve que tratorar o PMDB ¿do Senado¿, que pretendia o aval do presidente para ele próprio tratorar os adversários internos, então apelidados de ¿viúvas de FHC¿.

Agora é Dilma quem faz picadinho do PMDB ¿da Câmara¿, aparentemente despreocupada com a tal governabilidade. A disputa é pelo filé mignon e ninguém está para brincadeira.

Além do mais, a turma que entrou no alvo não anda mesmo num bom momento, também por causa dos cálculos eleitorais infelizes. O ambiente no Senado estes dias não poderia estar mais leve.

Programático Um alegado propósito da reforma política é reforçar o conteúdo programático dos partidos. A presidente gosta de falar nisso.

Vamos imaginar o que acontecerá caso prevaleça a tal lista fechada.

A lei mudou e agora os caciques partidários definem a ordem dos candidatos a deputado (ou vereador), o eleitor vota no partido (e não mais no candidato) e se elegem os ¿n¿ primeiros da lista, conforme o número de cadeiras conquistadas na eleição.

Um belo dia, na aprazível cidadezinha, dois sujeitos chegam ao diretório municipal para reivindicar uma vaga na chapa de vereadores. Mas tem que ser uma vaga lá em cima na lista, para terem chance real.

Um deles estudou direitinho o programa partidário, conhece a história e as principais bandeiras da agremiação. E concorda com elas.

O outro não tem ideia dessas questiúnculas, mas está disposto a fazer uma bela doação em dinheiro ao diretório municipal. Ou aos controladores do dito cujo.

Quem você acha que vai estar em cima na lista e quem vai estar em baixo? Difícil adivinhar?