Título: Rentabilidade fortalece a soja nos EUA, mas disputa com milho segue acirrada
Autor: Lopes, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 25/01/2008, Agronegócios, p. B12

Relegada nos últimos dias em razão da turbulência nos mercados financeiros globais, as discussões em torno da "disputa" entre milho e soja por terras para plantio na próxima safra americana (2008/09) deverão renascer nas próximas semanas e voltar a influenciar diretamente as cotações dessas commodities agrícolas, as mais negociadas do mundo.

A concorrência segue indefinida, e assim deverá continuar. Independentemente dos rumos da crise, que vem influenciando as cotações dos dois produtos da mesma maneira - movimentos semelhantes nos últimos dias -, a decisão de plantio que será tomada pelos agricultores dos EUA até o fim deste primeiro trimestre não será fácil. Pelo menos por enquanto, milho e soja prometem lucros consideráveis.

Estudo da Agência Rural elaborado antes das oscilações de preços desta semana aponta que, com os preços atuais, os produtores do país terão retornos elevados qualquer que seja a cultura escolhida. A consultoria ilustra a tendência com dados do Estado de Iowa, maior pólo americano de grãos. Ali, a rentabilidade da soja deverá aumentar quase 75% na nova temporada. Já a do milho tende a subir mais de 30%.

De acordo com a consultoria, a rentabilidade da soja passará de US$ 680 por hectare, no ciclo 2007/08, para US$ 1.183 em 2008/09. A do milho, por sua vez, tende a registrar incremento de US$ 1.002 para US$ 1.319 por hectare na mesma comparação.

Os cálculos levam em consideração dados de oferta e demanda estimadas pelo Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), custos variáveis de produção mensurados pela Universidade Estadual de Iowa e o fato de o aumento do custo do cereal (32%) ter sido superior ao da oleaginosa (21%) - em razão do maior uso de adubos nitrogenados, que subiram muito com escalada do petróleo. As respectivas produtividades também fazem parte da equação, com a tradicional vantagem do milho.

"Pelo forte aumento previsto em sua rentabilidade, o cenário é amplamente favorável à soja. Mas o milho tem vantagens. Uma delas é a histórica preferência do produtor americano pelo milho, principal cultura do país. Outra é o temor com o fungo da ferrugem asiática, já detectado em quatro Estados do Meio-Oeste e que eleva os gastos da soja com defensivos", afirma Fernando Muraro, da Agência Rural.

Com a turbulência global e todas as incertezas que dela derivam, quedas de preços capazes de reduzir as rentabilidades previstas, até de forma expressiva, não podem ser descartadas nesse momento. Mas Muraro acredita que a decisão do banco central americano de reduzir em 0,75% evitará uma recessão no país e que os baixos estoques de ambos os grãos nos EUA serão um colchão difícil de ser desprezado.

Conforme o USDA, os estoques de soja do país encerraram a safra 2007/08 com volume suficiente para apenas 21 dias de consumo. Foi o quarto menor nível desde o início da década de 1970. No caso do milho, os estoques, para 41 dias, só foram mais magros em outras cinco temporadas (o universo total engloba 38 ciclos).

Mesmo que as tímidas reservas não sejam suficientes para amparar os preços, uma vez que na bolsa de Chicago a agressiva ação de fundos de investimentos por vezes desafia esses fundamentos, é a relação entre os mercados de soja e milho, independentemente dos valores absolutos, que guia o plantio. Esta relação, cujo equilíbrio histórico é 2 (soja) para 1 (milho), varia atualmente entre 2,4 e 2,6 para 1.

Aparentemente é uma relação vantajosa para soja, com a ressalva de que o equilíbrio histórico foi construído em um ambiente sem biocombustíveis - nos EUA o etanol é produzido a partir do milho - e pode perfeitamente bem estar em mutação. (FL)