Título: Empresas buscam alternativas de crédito para investimentos
Autor: Balarin, Raquel, Landim, Raquel, Capela, Maurício
Fonte: Valor Econômico, 25/01/2008, Finanças, p. C1

Os investimentos do setor privado, que têm sido um dos pilares da expansão do Produto Interno Bruto (PIB) do país, não devem ser afetados a curto e médio prazo pela crise financeira internacional. Mas há uma mudança em curso importante no modelo de financiamento desses investimentos, com impacto no mercado de capitais e nos balanços das empresas.

Até o fim do ano passado, as bolsas de valores representaram uma das mais importantes fontes de recursos de longo prazo para as empresas, tanto para aquelas que abriram o capital como para as já listadas e que fizeram novas emissões. Em 2007, as ofertas primárias de ações alcançaram R$ 39,8 bilhões - quase dois terços de todo o volume de recursos desembolsado pelo BNDES. Além do mercado acionário, os bancos - especialmente os estrangeiros - estavam com altíssima liquidez e disputavam a concessão de empréstimos para grandes projetos ou aquisições. Foi assim, por exemplo, na compra da Ipiranga por Ultra, Braskem e Petrobras e, um pouco antes, na aquisição da Inco pela Vale por US$ 18 bilhões. A Vale tinha em mãos propostas dos bancos que totalizavam US$ 30 bilhões. Estava sobrando dinheiro.

A situação, agora, é outra. Boa parte dos bancos estrangeiros perderam bilhões com a crise das hipotecas nos Estados Unidos. Isso quer dizer que eles não têm mais tanto dinheiro para emprestar e que passarão a ser muito mais rigorosos e seletivos nos novos financiamentos. O mercado de ofertas públicas iniciais de ações secou no curto prazo. Ontem, mais duas companhias, a Copasa e a Norse Energy, comunicaram à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que suspenderam suas emissões, elevando para 23 o número de ofertas suspensas. Algumas operações de debêntures também foram para a geladeira, por conta da dificuldade de se fixar um preço com a forte volatilidade dos últimos dias.

De onde, então, virá o dinheiro para os investimentos? Para boa parte das empresas, a resposta é, em primeiro lugar, o BNDES. Mas há outras opções. Uma delas serão os fundos de "private equity" (participações em empresas), que estão com dinheiro na mão e que vinham tendo dificuldade para fechar alguns negócios por conta da concorrência com as ofertas de ações na bolsa, os IPOs.

A tendência é de que os bancos brasileiros também ganhem importância na concessão dos financiamentos. O responsável pela área de atacado de um banco brasileiro disse que, nas últimas semanas, três matrizes de empresas multinacionais cobraram os empréstimos dados às suas subsidiárias no Brasil e sugeriram que eles fossem substituídos por crédito no mercado doméstico. "Os bancos brasileiros têm espaço em seus balanços para assumir esse gap. Eles têm recursos para emprestar", diz o executivo. A opinião é compartilhada pelo vice-presidente do Bradesco, Norberto Barbedo: "Essa é uma alternativa para as empresas porque o efetivamente o crédito externo reduziu de tamanho."

A crise internacional, pela primeira vez, pegou as companhias brasileiras capitalizadas e com baixo nível de endividamento. Isso quer dizer que há espaço para a emissão de títulos de renda fixa, tanto nos mercados interno como externo. No país, os títulos corporativos podem ser uma opção aos investidores que devem migrar da renda variável, altamente volátil neste momento, para a renda fixa. No exterior, com a queda no juro americano e a bolsa em crise, há demanda por títulos de maior rendimento. "Para as empresas de primeira linha, há um bom espaço para captar recursos lá fora", diz José Olympio Pereira, responsável pelo banco de investimento do Credit Suisse no Brasil, citando como exemplo a Usiminas, que levantou US$ 400 milhões no início do ano com taxa de 7,25% em dólar. Para Olympio, o único senão nas emissões externas é que ainda há uma memória ruim em relação ao risco cambial.

A forte desvalorização do real ocorrida na campanha presidencial de 2002 pegou muitas empresas com dívidas significativas em dólar. Algumas chegaram a ficar inadimplentes e muitas partiram para a renegociação. Desta vez, a situação é bem diferente. A sinalização do mercado cambial é de que os investidores não crêem em fortes desvalorizações, em parte por conta das reservas internacionais de US$ 184 bilhões e da contínua entrada de recursos estrangeiros, inclusive investimentos diretos. O dólar teve valorização de apenas 0,96% este ano, apesar do aprofundamento da crise.

Agora, mesmo empresas com acesso ao capital externo, como as montadoras, têm preferido se financiar em reais. É o caso da Ford, que, apesar da crise nos EUA, manterá os investimentos de R$ 2,5 bilhões previstos para o Brasil entre 2008 e 2011. Segundo Rogelio Golfarb, diretor de assuntos governamentais, os investimentos serão financiados com empréstimos do BNDES e de bancos locais. A montadora não tomará recursos no exterior. "Temos a visão de ser auto-sustentável na América do Sul." Segundo ele, com financiamento local, a filial evita o risco do câmbio e o custo do hedge. A empresa obtém a maior parte de sua receita e paga a maioria dos custos em reais e crê que a demanda por carros seguirá aquecida, com baixa inadimplência. "Nunca vi o país tão preparado para esse tipo de crise", diz.

Assim como o governo, que ampliou suas reservas internacionais, a maior parte das empresas também soube usar a alta liquidez em seu favor. Paulo Cesena, diretor-financeiro da Construtora Norberto Odebrecht (CNO), diz que apostou que o mercado financeiro teria dias difíceis e, por isso, adotou como estratégia a formação de um colchão de recursos. A companhia tem contratadas linhas de US$ 700 milhões que ainda não foram usadas. "Acreditávamos que essa crise de hoje era algo pré-anunciado, porque desde meados de 2007 o mercado de capitais tem apresentado problemas", diz Cesena.

Com o cenário de redução da liquidez e dinheiro no caixa das companhias, deve-se manter firme o movimento de fusões e aquisições. Os bancos já começaram a mapear as empresas com menor acesso ao mercado de capitais e que podem virar alvo de compra. "Quem captou recursos no mercado terá de gastá-los. É uma imposição dos investidores", afirma Horácio Lafer Piva, presidente da Bracelpa, dos fabricantes de papel e celulose. Em teoria econômica, empresas com baixíssimo endividamento são sinônimo de estruturas de capital pouco eficientes.

Mas e as empresas com endividamento maior? Mesmo aquelas que têm mais dívidas por conta de investimentos estão otimistas. "Diante de um bom projeto, o crédito surge", diz o presidente da Unipar, Roberto Garcia, a respeito da recém-criada Companhia Petroquímica do Sudeste (CPS). A empresa, que finaliza um projeto superior a R$ 2 bilhões e que acaba de fazer um aporte na CPS de R$ 400 milhões (financiado por Banco do Brasil e Bradesco), terá ainda de captar dinheiro para as ofertas de fechamento de capital da Petroquímica União e Suzano Petroquímica. (Colaboraram Fernando Travaglini e Graziella Valenti)