Título: Demanda por crédito surpreende
Autor: Travaglini, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 20/02/2008, Finanças, p. C1

Aumento das taxas de juros, turbulências nos mercados internacionais, elevação dos impostos financeiros. Nada disso parece capaz de frear a demanda por crédito, que se mantém aquecida mesmo nos primeiros meses do ano, quando tradicionalmente a atividade econômica apresenta desaquecimento.

"É como se janeiro fosse o 13º mês de 2007", brinca Rodrigo Caramez, diretor do HSBC responsável pela área de recebíveis do banco. "O que normalmente cresce no início do ano, cresceu mais do que o esperado; e o que normalmente cai, caiu menos", afirma, lembrando que fevereiro já aponta comportamento muito semelhante, apesar de ser um mês mais curto.

Ademir Cossiello, diretor-executivo do Bradesco, concorda que janeiro foi positivo e ressalta ainda que o fato de o carnaval ter vindo no começo de fevereiro ajudou, pois os negócios começaram mais cedo. "De um modo geral, o começo manteve o cenário positivo que se verificou no fim de 2007. Há uma continuidade, respeitando a sazonalidade do período", afirma.

Entre as linhas para empresas, o que normalmente avança nos começos de ano são produtos de capital de giro, o uso da chamada conta empresarial (com limite semelhante a da conta corrente de pessoas físicas) e as linha de uso rápido ("quick use") para pagamento de impostos. "O crescimento foi muito grande e basicamente o dobro do ano anterior", segundo o executivo do HSBC.

Já nas linhas de antecipação de recebíveis com duplicatas, há um recuo natural, pois essas linhas são típicas da indústria e o pico da produção foi no fim do ano, com as liberações de recursos entre outubro a dezembro.

Mas muitas companhias já estão antecipando crédito para a produção e vendas da Páscoa. Além disso, a antecipação de recebíveis de cartão de credito continua forte para empresas do setor de serviços.

Os bancos de médio porte, especializados nos segmentos de pequenas e médias empresas (chamada de middle market), também acusam ano aquecido. "Acho que este ano está sendo atípico, ou houve uma mudança de comportamento", afirma Gilberto Meiches, vice-presidente do Banco Sofisa.

O ano de 2008 segue a mesma dinâmica e a demanda continua com mesma intensidade, disse Milto Bardini, presidente do BicBanco. Ele ressalta, no entanto, que os primeiros meses apresentam sazonalmente uma queda de atividade que é normal.

O início de 2007 já havia apontado esse cenário. O crédito, que tradicionalmente recuava no início do ano por conta dos gastos de fim de ano, não apresentou redução significativa nos primeiros meses de 2007. Neste ano, os bancos sentem que o fenômeno deve se repetir com mais força.

Em dezembro, o volume de crédito produzido pelo Panamericano atingiu R$ 770 milhões, 42% acima dos R$ 541 milhões do mesmo mês de 2006, envolvendo cerca de 150 mil novos contratos. A produção média do quarto trimestre foi de R$ 749 milhões. E, neste início ano, os números já surpreendentes do fim de 2007 foram superados, atingindo perto de R$ 800 milhões.

"O mercado continua aquecido. Com o PIB crescendo 4,5%, este ano também será bom para o crédito de consumo", disse o diretor financeiro Wilson de Aro, acrescentando que alguns segmentos estão com um ritmo superior aos demais, como é o caso do financiamento de veículos.

Ano contra ano, 2008 está 5% a 10% mais forte do que ano anterior para pessoas físicas, segundo Marcos Magalhães, diretor de produtos do Unibanco.

Os dados do crédito em janeiro só serão divulgados pelo Banco Central no fim do mês, mas dados preliminares reforçam a tendência. Os financiamentos habitacionais, em janeiro, apresentaram crescimento de 133% em relação ao mesmo mês do ano passado, mantendo o ritmo de dezembro.

O volume de concessão, inclusive, foi bastante semelhante ao de dezembro, afirma Luiz Antonio França, presidente da Abecip e diretor do Itaú. Em dezembro foram financiadas 18,5 mil unidades, contra pouco mais de 17 mil no primeiro mês de 2008.

O financiamento de veículos, que tem sido uma das vedetes do setor, também continuam avançando. Em janeiro a indústria automotiva registrou o melhor mês de janeiro da história, com 215 mil veículos novos vendidos. "Sem o crédito, não se pode falar em vendas desse produto", disse Luiz Montenegro, presidente da Associação Nacional das Empresas Financeiras das Montadora (Anef).

Rafael Cardoso, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Leasing (Abel), disse estar ansioso para ver os dados de arrendamento mercantil de janeiro, um dos principais instrumentos de compra de autos. "Normalmente há recuo no período, mas não é isso que mostrou o mês de janeiro para o leasing".

Obviamente, dezembro é ápice, mas o mercado está extremamente aquecido em veículos, diz Paulo Rogério Caffarelli, diretor de novos produtos e varejo do Banco do Brasil. O banco iniciou a operação no setor em 2007 e já registra carteira de R$ 3 bilhões.

João Consiglio, diretor de produtos do Banco Real, lembra ainda das linhas específicas de começo de ano: recursos para pagamento de impostos e compra de material escolar. Até antecipação de 13º salário já tem sido oferecida pelos bancos. Além disso, as linhas de crédito pessoal para correntistas (sem desconto em folha) já chegam a 48 meses, como no próprio Banco Real.

Em principio, havia algumas dúvidas sobre o desempenho do crédito neste ano, afirma Uelques Almeida, do Banco Mercantil do Brasil, por conta dos problemas nos mercado americanos de hipotecas de alto riscos.

Desde o ano passado, há uma pressão nas margens dos bancos devido à elevação dos juros futuros, provocados por turbulências nos mercado financeiros, mas nem mesmo a crise reduziu a oferta de crédito. "Os bancos sentiram um certo aperto na liquidez do interbancário por conta da crise, mas continuam oferecendo crédito", afirma o presidente da Acrefi, Érico Ferreira. "A pujança, apesar da crise, é impressionante. É um janeiro surpreende, uma coisa inédita."

No início do ano, o governo ainda elevou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e a Contribuição sobre o Lucro Líquido das instituições financeiras e o Banco Central criou o depósito compulsório dos depósitos das empresas de leasing.

As medidas, de fato, elevaram os juros em janeiro, segundo dados da Anefac, mas sem impacto na demanda. "O consumidor não olha taxa de juros e não deixa de comprar por causa disso", disse Miguel de Oliveira, da Anefac. (Colaborou Maria Christina Carvalho)