Título: Commodities deixam IPA industrial tenso
Autor: Bouças, Cibelle
Fonte: Valor Econômico, 21/02/2008, Brasil, p. A9

O cenário internacional de preços aquecidos das commodities ainda deverá provocar soluços na trajetória de desaceleração dos preços industriais no Brasil. Para os economistas ouvidos pelo Valor, o quadro merece atenção. Neste início de ano, o mercado de commodities ignorou o cenário de desaquecimento da economia global, puxado pela crise imobiliária nos Estados Unidos.

Itens do subgrupo industrial do Índice de Preços por Atacado (IPA) - que compõe o Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M) - têm registrado valorização nas bolsas internacionais no início do ano, com repasses ao mercado interno. A expectativa é que ainda ocorram variações fora da curva de desaceleração prevista por analistas para o semestre.

Levantamento feito pela LCA Consultores mostra que, a despeito da desaceleração no IGP-M, o núcleo do IPA industrial tem subido nos últimos três meses. Pelo levantamento, o núcleo, que em dezembro variou 0,36%, subiu 0,7% em janeiro e 0,55% em fevereiro. No mesmo mês de 2007, a variação havia sido de 0,06%. O núcleo é calculado com base na cesta do IPA, excluindo combustíveis, produtos alimentares e bebidas e produtos de extração mineral.

A proporção de itens que tiveram aumento também cresceu no período, de 45%, em dezembro, para 48%, em fevereiro. Em igual mês do ano passado, o percentual também era menor, de 40,8%. Para Raphael Castro, economista da LCA, a alta de preços internacionais de commodities de energia e metálicas ajudou a elevar as cotações de bens intermediários e finais, que compõem o IPA industrial. As oscilações ocorreram em momentos distintos, mas juntas ajudaram a pressionar o índice no país. Em dezembro, houve a alta do petróleo, e em janeiro, o reajuste nos preços do cobre foi repassado para produtos como motores e geradores.

O mesmo ocorreu com as matérias-primas para fertilizantes. "Até abril, deve ocorrer uma pressão também forte do minério de ferro, que foi reajustado agora em 65%, sobre bens de capital e bens duráveis. Mas não há uma pressão de demanda que justifique uma inflação generalizada", avalia Castro.

No mercado internacional, o que se observa também é uma alta nos preços, provocada não por um choque de demanda, mas por um movimento financeiro decorrente da crise imobiliária americana. Os fundos de investimento reforçaram sua participação em commodities, atualmente mais rentáveis que ações em bolsa e títulos de dívida do governo americano.

Entre janeiro e fevereiro, houve aumento nos preços de ouro (12,9%), alumínio (12,8%), cobre (16%), chumbo (13,9%), placas de aço (12,2%), bobina a frio (34,3%), celulose (2,2%) e petróleo (2,3%) - todos insumos que ajudam a compor o índice de preços industriais. De acordo com cálculo da RC Consultores, alguns desses itens também registraram aumentos significativos. "É uma bolha especulativa, que não tem nada a ver com o lado real da economia, mas vai provocar pressão em preços. Devemos ter surpresas nos IPAs de março. Não duvido que chegue próximo a 1%", afirma o economista Fábio Silveira, sócio da consultoria.

Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, observa que o reajuste de 65% nos preços do minério de ferro anunciado nesta semana também deve trazer nova pressão sobre o IPA industrial. "O que aconteceu com o cobre e o alumínio foi um aumento circunstancial. Os preços voltam a ceder. No caso do minério, o reajuste vai perdurar o ano todo e deve se refletir em bens de capital e duráveis."

Salomão Quadros, coordenador de análises econômicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), conclui que a valorização recente do IPA industrial está mais ligada à alta das commodities no mercado internacional do que a um choque de demanda das indústrias no mercado interno. "A alta do núcleo não é conseqüência direta de uma demanda aquecida ou de um uso da capacidade industrial próxima do limite. Setores muito demandados, como bens de capital, máquinas e equipamentos, estão crescendo 20%, acima da média, mas estão com inflação de 2%", afirma. O economista considera possível uma intensificação dos repasses de preços de insumos e uma subida do IPA industrial até março.

"É importante observar que a economia opera hoje em um nível de capacidade elevada e existe uma pressão para o repasse nos preços industriais. Mas esse efeito tem sido amenizado pelo câmbio", pondera Zeina Latif, economista-chefe do ABN Amro Real. Para ela, boa parte das altas de commodities registradas no início do ano já foi absorvida e a tendência para o semestre continua sendo de arrefecimento. "Nesse contexto de preços elevados no exterior, não deve ocorrer uma desaceleração muito significativa do IGP-M", diz.

Em fevereiro, o IGP-M variou 0,46%, ante uma variação de 0,93% verificada no mês passado. O índice também ficou abaixo do 0,8% apontado pelo IGP-10, divulgado na semana passada e dentro das expectativas do mercado. No período, o IPA teve variação de 0,55%, ante 1,06% em janeiro, em decorrência da desaceleração nos preços de produtos agrícolas no atacado. Os produtos industriais, por sua vez, variaram 0,64%, acima do 0,57% apurado em janeiro. Também pesou para a melhora do índice o arrefecimento das altas no varejo. O Índice de Preços ao Consumidor (IPC) variou 0,2%, ante 0,77% em janeiro, com valorizações menores em todos os itens, exceto educação (0,93%). "O IGP-M caiu pela metade, é uma desaceleração importante", diz Quadros.

O economista observa que o índice geral poderia ter apresentado um número menor, se não houvesse alta nos preços do boi gordo (1,19%) e se o preço da soja tivesse baixado com a entrada da safra (subiu 2,99%). Os dois movimentos, segundo ele, fugiram às expectativas do mercado. "Os dois itens agrícolas de maior peso no IPA não baixaram. Pode ser que ocorra algum repasse ao varejo nas apurações seguintes", diz.