Título: Sem Fidel, tensões em Cuba devem se agravar
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 21/02/2008, Opinião, p. A18

Sejam quais forem o ritual e o ritmo das mudanças no poder, Cuba não será mais a mesma depois que Fidel Alejandro Castro Ruz, o mais longevo dos governantes, deixou o poder. O regime stalinista cubano, ilhado pela vontade de seus inimigos, em primeiro lugar os Estados Unidos, e pela própria ideologia de seus dirigentes, tem poucas chances de sobrevivência, que lhe era assegurada em grande parte pelo insuperável fascínio que Fidel exercia sobre o povo. Sem ele, tensões insuportáveis, já existentes, se agravarão. A experiência socialista, que virou uma ditadura de Estado, fracassou. Só resta o caminho de uma abertura, a ser encaminhada por um grupo de burocratas que não têm nada do carisma e da popularidade do ditador, que pode nem mesmo ter uma receita para tentar curar as evidentes fragilidades da economia e do regime.

Cuba não está integrada a nenhum bloco econômico depois que perdeu a proteção soviética, em 1989, com a derrocada dos regimes patrocinados por seus tutores ideológicos a partir da queda do Muro de Berlim. Quando a ajuda soviética deixou de existir, a economia cubana encolheu em um terço e só agora começa a se recuperar, em grande parte graças a outro auxílio, o do discípulo Hugo Chávez, presidente da Venezuela. O embargo econômico dos EUA é mortal para a economia da ilha, que tende cada vez mais para o atraso, a escassez de bens essenciais ao consumo e à produção, as atividades clandestinas, a informalidade e o sucateamento geral da infra-estrutura. A igualdade na pobreza é um antídoto poderoso, mas não eterno, a uma situação que, tendo o futuro como medida, é desesperadora. O regime de propriedade e a rígida centralização política funcionaram como complementos ao feroz boicote americano e impediram os líderes cubanos de buscarem explorar parcerias econômicas amplas e regulares, que não dependam da pura e simples solidariedade.

O melhor de Cuba, que ajuda a sustentar os desbotados ideais da revolução de 1959, se deu nos campos da educação e da saúde - ambas universais. Essas conquistas, porém, podem se perder se a situação de penúria se agravar ainda mais e há quem aponte que isso já está ocorrendo. Além disso, a volumosa mão-de-obra qualificada que sai das universidades cubanas não encontra emprego à altura, nem oportunidades condizentes com suas habilidades. Os salários cubanos atingem em média 15 dólares mensais e o Estado é praticamente o único empregador, embora a recente abertura limitada para a indústria do turismo tenha criado novas fontes de emprego. Em uma inversão significativa de perspectivas, os empregos disputados por graduados de universidades são os que permitem chegar perto de dólares de turistas, como guias, motoristas de táxi etc. - um enorme desperdício de dinheiro e talentos. Entra na mesma equação a ocupação dos melhores cargos não pela meritocracia, mas pelo grau de fidelidade e posição hierárquica dentro do Partido Comunista.

Fidel e seu irmão Raúl têm em suas mãos as principais alavancas do poder há quase meio século. A transição para o comando de Raúl deu-se em um esquema que já pressupunha o fim da carreira política de Fidel - um governo de colegiado, composto pela velha e a nova guarda. Foi a mesma solução encontrada quando da morte de Josef Stalin, o todo-poderoso líder soviético, uma forma de tentar impedir a volta a uma ditadura personalista. A saída revelou-se provisória. A disputa de poder sepultou-a e isso é algo que pode igualmente acontecer em Cuba.

Raúl Castro fez tímidas concessões para a abertura, ao estimular críticas ao funcionamento do governo, enquanto acena com mais espaços para a iniciativa privada em pequenos negócios e na propriedade da terra - promessas até agora no papel. Ampliar o grau de liberdade econômica mantendo uma ditadura de partido único é até agora uma façanha só conseguida pelo Partido Comunista Chinês. Cuba é infinitamente menor que a China e não tem uma economia tão diversificada, além de - dado fundamental - estar no calcanhar dos EUA e em sua histórica área de influência. Por isso, o que será Cuba quando Fidel deixar de existir dependerá em muito da atitude do próximo governo americano. Se o poder for conquistado pelos democratas, uma distensão econômica e diplomática poderá ter efeitos benéficos para as reformas em Cuba.