Título: Miopia brasileira
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 21/02/2008, Opinião, p. A18

Por várias circunstâncias que caracterizaram a economia do Brasil nas últimas décadas, tornou-se dominante a adoção de decisões focando especialmente o curto prazo. Este processo, que se infiltra como um vício sobre o comportamento dos agentes, tem alterado as decisões dos agentes econômicos e políticos.

Cercados por uma inflação persistente entre o final da década de 1970 e meados da década de 1990, durante todo este período a sociedade brasileira se viu compelida aos objetivos e ações a curto prazo. Em ambientes com intensa inflação, até mesmo o médio prazo se mostra muito incerto.

Não obstante, as decisões de política econômica e social do governo também tinham a urgência de gerar efeitos a curto prazo, em especial quando se tratava do combate à inflação. As ações de longo prazo do governo praticamente paralisaram, entre outros fatores, pela própria concentração de esforços para sua parca sobrevivência na dinâmica ditada pela inflação em ascensão.

Vencido o processo inflacionário, o ambiente econômico tornou-se mais previsível, seus condicionantes tornaram-se mais sustentáveis, mesmo considerando as críticas que o processo de estabilização tem recebido quanto aos mecanismo utilizados para tal.

Entretanto, desde a implantação do real, não nos livramos do vício de pensar em política econômica com foco no curto prazo. Na melhor das hipóteses, no máximo o fazemos a médio prazo. Isto traz conseqüências graves à sociedade, na medida em que reprime o potencial de desenvolvimento da economia.

Há algumas razões que podemos apontar para qualificar este fato. A primeira delas é que o setor privado não encontra um ambiente favorável ao desenvolvimento de projetos de longo prazo, seja pelo alto custo tributário institucionalmente imposto à atividade produtiva no Brasil, seja pela ineficiência na geração de crédito de longo prazo a empreendimentos, pela ineficácia dos marcos jurídicos, entre outros fatores. Especialmente o setor financeiro no Brasil tem desfrutado de oportunidades de ganho a curto prazo nas últimas décadas, o que tem explicado o recorde lucro obtido pelos bancos e a ampliação do número de financeiras no país.

A própria carga tributária tem se ampliado intensamente nos últimos anos em função das necessidades de curto prazo do governo, que tem procurado equacionar, a duras penas, a questão fiscal no Brasil.

Para quebrar esta lógica, há menos de um ano o governo federal anunciou um Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), que visa especialmente ampliar a taxa de investimentos na economia brasileira. Questão para qual eu também destaco a importância, com ressalvas às possibilidades efetivas para sua implantação.

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Tais ressalvas se mostram expressivas diante do desafio fiscal do governo com a não prorrogação da CPMF, que representou uma queda na capacidade discricionária da política fiscal.

A parte desta discussão específica, isto demonstra claramente que o governo não apresenta uma capacidade orçamentária suficiente para realizar investimentos e cumprir com demais programações e obrigações fiscais, dado o engessamento das despesas do setor público. Mesmo apresentando superávits primários nos últimos anos, considerando o pagamento de juros, o resultado do orçamento do governo central tem sido deficitário. Diante deste cenário a discussão volta novamente às questões de curto prazo, sobre a urgência de aprovar alterações tributárias para garantir a arrecadação, as possibilidades de contingenciamento de determinadas despesas do orçamento em determinados períodos, alterando assim a ordem de prioridades do governo. Com isso, há um deslocando das atenções e esforços dos "policy makers", em prejuízo das políticas de planejamento com foco no longo prazo.

O aumento da capacidade produtiva, que cria as condições preliminares para a melhoria do desempenho econômico do país, não estão atreladas a decisões emergenciais, sejam elas privadas ou públicas. Estas dependem da visualização de um horizonte confiável, no qual seja possível traçar projetos para a implementação de programas de longo alcance, com vistas a melhorias ao longo do tempo.

A questão fundamental no Brasil é retomar esta capacidade de planejamento, em um ambiente que favoreça a viabilidade de implementação dos mesmos.

A principal evidência deste fato é representada pela queda da capacidade de investimento apresentada pelo Estado desde o final dos anos 70, tendo em vista as emergências que passaram a reinar na pauta orçamentária a partir de então. Em função deste cenário, observamos atualmente a deficiência existente no setor de infra-estrutura no país, que requer amplos investimentos de vanguarda para garantir a expansão da atividade econômica. Para vários especialistas sobre o tema este é o principal gargalo atual da economia brasileira.

Do outro lado, mesmo no setor privado, há vários setores operando com ampla utilização da capacidade instalada, cuja expansão operacional e alívio estratégico dependem do planejamento e execução de investimentos. Neste aspecto, a falta de um ambiente previsível, de instituições com marcos regulatórios confiáveis, entre outros aspectos, têm inibido a expansão planejada. Nos últimos anos, grande parte dos fluxos de investimento no Brasil têm se dado para atender a demandas latentes, que rapidamente absorvem expansão gerada.

Todas estas questões são frutos de uma espécie de epidemia que contamina o comportamento dos agentes econômicos no Brasil, sejam estes públicos ou privados, diagnosticado pela dificuldade de visualizarem e adotarem medidas de longo prazo.

Esta miopia, que não permite enxergar a distância, pode nos levar ao desvio de rotas por não termos enxergado anteriormente o melhor caminho a ser adotado, confusos pela neblina provocada pela ansiedade do curto prazo.

Sandro Renato Maskio mestre em economista pela PUC/SP, é professor de economia da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (IMES) e da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), e economista da Prefeitura do Município de Santo André. Este artigo apresenta opiniões do autor, que se responsabiliza por eventuais erros, isentando as instituições acima de qualquer responsabilidade sobre o mesmo. E-mail: sandromaskio@hotmail.com