Título: Nova fronteira entre os emergentes
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 21/02/2008, Opinião, p. A19

No caso da África, é muito mais provável que uma discussão sobre fluxos de capital evoque imagens de ajuda internacional do que de investimento privado. A própria idéia de fundos de participação e fundos de hedge disputando espaços para fazer suas apostas no continente africano parece quase incongruente.

Entretanto, isso é, efetivamente, o que está ocorrendo hoje: a África está em processo de tornar-se a nova fronteira de investimentos nos mercados emergentes. E o entusiasmo não está mais limitado à África do Sul, cujas fronteiras no passado delimitavam o alvo de investimentos plausíveis: Quênia, Gana e Botsuana estão rapidamente tornando-se xodós dos mercados financeiros.

De bases em Londres e Nova York, mas também Johannesburgo e Lagos, afluxos de investimentos a todo o continente estão ganhando impulso. Ainda recentemente, como no primeiro semestre do ano passado, a Renaissance Capital anunciou o lançamento de um fundo de investimentos pan-africano bilionário (em dólares). Poucas semanas depois, a Pamodzi Investment Holdings, da África do Sul, anunciou a criação de um fundo pan-africano de US$ 1,3 bilhão com apoio de instituições financeiras americanas. O fundo Blakeney Management, de Londres, investe em Angola, Moçambique ou mesmo Etiópia, apostando em países que conseguiram sair de um período de anos de conflito violento. No total, perto de US$ 3 bilhões de investidores privados foram reunidos em 2007.

Investidores em títulos de países emergentes também estão desenvolvendo uma predileção pela África, e fundos mundiais que aplicam em mercados emergentes estão aplicando quase 10% de suas carteiras no Continente. A constituição de fundos de títulos pan-africanos, do tipo desenvolvido por firmas de investimentos como a Investec ou Stanlib, uma subsidiária do Standard Bank of South Africa, é outra tendência reveladora. Imara, um grupo de investimentos sul-africano, hoje oferece três fundos africanos, dos quais dois são dedicados exclusivamente à Nigéria e ao Zimbábue, respectivamente.

Tudo isso, evidentemente, ainda está muito distante das somas colossais em jogo nos países da OCDE e outras regiões emergentes, mas a atual movimentação no mundo das finanças africanas é notável, e pede nossa atenção máxima. Essas iniciativas mais recentes vêm na esteira de iniciativas do Ethos Private Equity, que em 2006 lançou um fundo de US$ 750 milhões, o maior fundo pan-africano criado até hoje.

Pouco antes, o príncipe saudita Al-Walid Ibn Talal começou a investir no setor bancário ganense, em companhias de telecomunicações no Senegal e tinha alavancado a criação de um novo fundo reunindo US$ 400 milhões: o HSBC Kingdom Africa Investments, em associação com o HSBC.

Os freqüentemente odiados fundos de hedge também deixaram-se contaminar pelo entusiasmo. A Tudor Investments apostou no Africa Opportunities Partners, um veículo de investimentos no setor cervejeiro na Tanzânia, em telecomunicações no Senegal e em empresas seguradoras no Egito. Mais recentemente, na Europa em 1º de julho de 2007, o financista suíço Nicolas Clavel lançou o primeiro fundo de hedge inteiramente dedicado à África: o Scipion African Opportunities Fund, com o objetivo de captar US$ 700 milhões.

Por que essa mudança de ânimo? Fatores externos como condições internacionais, elevada liqüidez e a busca de retornos, combinaram-se de modo a incentivar os investidores a assumir investimentos cada vez mais arriscados, mas potencialmente compensadores. Paralelamente, as oportunidades de investimentos cresceram substancialmente, havendo hoje mais de 522 empresas com ações negociadas em bolsas de valores em países na África subsaariana, em comparação com apenas 66 em 2000. A qualidade da informação financeira também está melhorando bastante. Neste ano apenas, o Renaissance Capital, um banco de investimentos com sede em Moscou, vem abrindo agências em toda a África - de Nairobi a Lagos, passando por Harare. Neste ano, também, os analistas dessa firma começaram a cobrir os mercados acionários locais em 14 países na África subsaariana - uma iniciativa inédita que teria sido impensável há apenas cinco anos.

Entretanto, a razão fundamental está nas condições endógenas à região. Como sublinhou por vários anos a "African Economic Outlook", uma publicação conjunta do Centro de Desenvolvimento da OCDE e do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), o crescimento da África foi retomado. Mas não são apenas os países ricos em petróleo ou recursos minerais que estão vendo-se alavancados pela insaciável demanda criada pelo rápido crescimento asiático. Na África, seja ao norte como ao sul do Saara, os países vêm promovendo as profundas mudanças que os permitiram erguer suas economias e acelerar seu crescimento.

Um último elemento digno de nota é o capital humano africano. No comando dos fundos mais focados na África está uma nova geração de financistas africanos com ampla experiência em centros financeiros internacionais. Os que retornam a seus países o fazem com um senso de propósito, e de posse das habilidades necessárias para implementar sua visão. Por exemplo, no comando do fundo da Kingdom Zephyr African Management Company, de Accra, está o ganense Kofi Bucknor. Em Túnis, o gestor de US$ 1 bilhão nas carteiras dos fundos da Emerging Capital Partners, maior firma de investimentos em participações no continente africano, é Vincent Le Guennou, formado por HEC e Harvard.

Sabemos que a África não irá converter-se em nova Ásia ou América Latina emergentes de um dia para outro. Mas também não devemos descartar o pensamento de que, com um par de empurrãozinhos ajuizados, a África possa transformar-se, se não em um El Dorado financeiro, pelo menos num sólido pólo de atração. No mínimo, a atual evolução do cenário deveria dissipar definitivamente a persistente noção de que ajuda à África é o único recurso. A África merece mais atenção e mais ação. Menos simpatia, e mais investimentos.

Javier Santiso é economista-chefe do Centro de Desenvolvimento da OCDE.