Título: Tropeço das debutantes
Autor: Pavini, Angelo ; Fariello, Danilo
Fonte: Valor Econômico, 25/01/2008, Eu, p. D1

O reconhecimento do risco de recessão nos Estados Unidos atingiu em cheio as ações de empresas que ingressaram na bolsa em 2007. No ano, até ontem, das 66 que abriram capital, só sete subiam, e as desvalorizações chegavam perto dos 35%, caso da BM&F. Somente 15 mantêm preços maiores que os do lançamento e apenas 11 ganham do Ibovespa desde o IPO (oferta pública inicial, na sigla em inglês). Os papéis sofreram bastante nas mãos dos estrangeiros, que ficaram, em média, com 70% do total das ofertas. O forte apetite desapareceu e, agora, com a crise, esses aplicadores venderam as ações a qualquer preço - sem que isto seja figura de linguagem.

Os papéis de IPO apanharam porque os preços de lançamento foram altos e houve uma reversão de expectativas no mercado, diz José Costa Gonçalves, diretor da corretora Indusval Multi Stock. Ele explica que os investidores externos, procurando sair rápido da bolsa brasileira, colocam volumes altos de ações à venda. "Isso derruba com mais força os preços das novatas, por conta da menor liquidez."

"Nessas horas, não importa a empresa com melhores perspectivas, com balanço mais bonito, bons dividendos, eles vendem pelo preço que for", completa Costa. Para Marco Melo, chefe de análise da corretora Ágora, a desvalorização maior das novatas na bolsa tem boas justificativas, mas nenhuma relacionada aos fundamentos das empresas. A retração dos estrangeiros fez com que, ontem, Copasa e Norse Energy publicassem anúncios de interrupção de suas ofertas públicas, alegando dificuldades de mercado.

Com as perdas nos mercados desenvolvidos, os estrangeiros têm de recompor suas carteiras lá fora e, então, vendem as novatas daqui, que foram compras mais oportunistas, diz Rodrigo Pasin, sócio da Value Consultoria, empresa de fusões e aquisições e aberturas de capital. Ele lembra, ainda, que quem foi a mercado no ano passado tem histórico menor de resultados que as "blue chips" (ações mais negociadas). Melo, da Ágora, explica que, por não terem histórico longo, não dá para saber como elas se comportam nesses momentos, o que afasta ainda mais o investidor na crise. "Não sabemos quais são mais defensivas ou agressivas."

Essa queda recente das novatas pode ser uma oportunidade para quem não entrou nos IPOs comprar bons papéis, afirma Eduardo Kondo, analista chefe da Concórdia Corretora. "Dá para garimpar ações de terceira linha de IPOs que saíram com múltiplos muito altos e, com essa baixa, se ajustaram ao indicador Preço/Lucro (P/L) do mercado, perto de 12 vezes", diz. O indicador dá uma idéia em anos do retorno do investimento. Alguns IPOs chegaram a sair com P/Ls de mais de 50 vezes. Para Costa, da Indusval, pode ser um momento para compras cuidadosas daquele aplicador que tem perspectiva de mais longo prazo. "O mercado é irracional no curto prazo, mas não é bobo, as empresas tendem a voltar a valer segundo os fundamentos." Para ele, a palavra-de-ordem é sangue-frio.

Uma das poucas empresas novas com bom desempenho recente é a SLC Agrícola, produtora de algodão, soja e milho, e que estreou no pregão em junho. Laurence Gomes, diretor financeiro e de Relações com Investidores, explica que há uma forte demanda por algodão e grãos. Além disso, nos EUA, há uma pressão para aumento na área de milho plantada por causa do etanol, o que leva à queda das áreas de soja e algodão e beneficia a SLC. "Muitos fundos estrangeiros estão comprando a ação como forma de investir em terras no Brasil."

O momento favorável às commodities agrícolas também beneficia a ação da São Martinho, uma das maiores produtoras de açúcar e álcool do país, diz Felipe Vicchiato, gerente de RI da companhia. "A empresa ainda tem o projeto de inaugurar uma fábrica em maio, o que atrais os investidores."

Mas, no caso do Frigorífico Minerva, fatores setoriais ajudaram a azedar o humor dos investidores e levar o papel a cair 53% desde o lançamento, explica o diretor de RI, Ronald Aitken. O preço do boi subiu com a seca do ano passado, o dólar caiu e isso afetou a receita da empresa. Além disso, o investidor comparou-a aos concorrentes, que foram muito ativos em aquisições em 2007. "Optamos por esperar e agora que os preços recuaram estamos analisando algumas aquisições no Brasil e no exterior", diz. O diretor diz que está em contato constante com os grandes investidores e disse que a empresa estuda uma recompra de ações.

Novatas mais antigas também sofreram. A Profarma, que foi à bolsa em 2006, dispensa qualquer atitude para conter a oscilação de seu papel, que cai 13,57% no ano. "Nem recompra, nem formador de mercado, nem nada poderia segurar essa volatilidade no momento", diz Sammy Birmarcker, sócio e presidente da empresa. "Os investidores querem liquidez."

A forte queda das novatas coloca em discussão o argumento dos organizadores de ofertas públicas para limitar a participação de pessoas físicas: que elas não seriam investidores de longo prazo, ao contrário dos estrangeiros, diz Alexandre Póvoa, diretor da Modal Asset Management. "Os estrangeiros venderam muito no segundo semestre e estão vendendo ainda."

Para Póvoa, o mercado vai continuar volátil até se ajustar em um novo nível de preços, que reflita o risco de recessão nos EUA. Costa, da Indusval, também prevê forte oscilação em prazo de até 6 meses.