Título: O redirecionamento da execução fiscal
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 21/02/2008, Legislação & Tributos, p. E2

Tema dos mais importantes da atualidade é a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, também conhecida pela sua denominação inglesa: "disregard doctrine", ou "disregard of legal entity". Cuida-se de um mecanismo através do qual se "levanta o véu" da personalidade jurídica da sociedade quando da ocorrência, de modo geral, de uma das hipóteses seguintes: abuso de direito; excesso de poder; infração da lei; fato ou ato ilícito e violação dos estatutos ou contrato social. Como se percebe, essa teoria representa uma importante exceção à regra básica por força da qual as pessoas jurídicas têm existência distinta da de seus membros.

A teoria da desconsideração nasceu a partir da jurisprudência norte-americana, com vistas a impedir a fraude ou o abuso através do emprego da personalidade jurídica. Seu resultado prático é a relativização da concepção da personalidade jurídica, a qual passa a ser encarada de maneira realista e instrumental.

A teoria em análise não constitui mais novidade em nosso direito. Efetivamente, ela é ora acatada, entre nós, pela legislação e pela jurisprudência dos tribunais. No âmbito legal, merecem ser citados o Código de Defesa do Consumidor - Lei nº 8.078, de 1990, artigo 28 - e o novo Código Civil - Lei nº 10.406, de 2002, artigo 50.

Em sede de direito tributário, igualmente, se aplica a "disregard doctrine". O lastro para tal aplicação é o preceito do artigo 135, III, do Código Tributário Nacional (CTN), de imensa relevância prática, em virtude do qual os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Outro arrimo legal para a responsabilização tributária dos sócios se encontra no artigo 4º, V, da Lei de Execução Fiscal - Lei nº 6.830, de 1980 - , o qual estatui que pode vir a estar presente no pólo passivo do processo executivo fiscal o responsável, nos termos legais, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas jurídicas de direito privado.

Os tribunais, em matéria de responsabilização tributária dos sócios, já consagraram várias importantes orientações, que serão expostas a seguir.

A execução fiscal pode incidir contra o devedor ou contra o responsável tributário, não sendo necessário que conste o nome deste da certidão de dívida ativa (Superior Tribunal de Justiça, 1ª Turma, Recurso Especial nº 47.718-2-SP, relator Ministro Milton Luiz Pereira, julgamento de 9.8.1995). Neste caso, são fundamentais, para o requerimento de responsabilização, cópias da declaração cadastral da empresa (Deca) ou da respectiva ficha de breve relato (FBR) - de acordo com a orientação judicial vigente -, nas quais vêm expressamente mencionados os nomes dos sócios.

-------------------------------------------------------------------------------- A invasão do patrimônio do sócio é medida que visa a realizar justiça no caso concreto e satisfazer o crédito --------------------------------------------------------------------------------

A citação dos sócios, em sendo deferida a responsabilização tributária, é imprescindível para a constituição da relação processual, não a suprindo a citação feita à firma executada por dívida tributária (Supremo Tribunal Federal, 2ª Turma, Recurso Extraordinário nº 114.657-5-SP, relator Ministro Carlos Madeira, julgamento de 3.11.1987). Para tanto, é de bom alvitre a expedição de mandado próprio, independente, para a citação pessoal dos sócios e a penhora de seus bens particulares.

A responsabilização dos sócios, como já foi explanado, é medida excepcional, não podendo constituir regra, impondo-se quando da verificação da ocorrência de ato com excesso de poder ou infração da lei. Em execução fiscal, a responsabilidade pessoal do sócio-gerente de sociedade por cotas, decorrente de violação da lei ou excesso de mandato, não atinge a meação de sua mulher (Súmula nº 112 do antigo Tribunal Federal de Recursos).

O grande corolário da responsabilização tributária é a colocação dos sócios no pólo passivo da execução fiscal, sujeitando-se-lhes o patrimônio à satisfação do crédito tributário. Assim sendo, o sócio-gerente, em execução movida em face de sociedade limitada, se citado em nome próprio, não tem legitimidade para opor embargos de terceiro com vistas a livrar da constrição judicial seus bens particulares (Súmula nº 184 do antigo Tribunal Federal de Recursos). Em outros termos, o responsável tributário é parte ilegítima para opor embargos de terceiro, impondo-se, na hipótese de apresentação de defesa, a propositura da ação de embargos à execução.

Em caso de sucessão, o adquirente de fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional que continuar a respectiva exploração responde integralmente pelos tributos relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, se o alienante cessar a exploração do comércio da indústria ou da atividade (Superior Tribunal de Justiça, 1ª Turma, Recurso Especial nº 36.540-6-MG, relator Ministro Garcia Vieira, julgamento de 8.9.93; Código Tributário Nacional, artigo 133, I). Daí a conveniência prática do pedido de responsabilização tributária dos últimos sócios constantes de atualização da DECA ou da súmula da Junta Comercial, conforme a orientação judicial vigente.

Assim sendo, observa-se que o redirecionamento da execução fiscal (como é hoje denominada a responsabilização tributária dos sócios) é mecanismo de acentuada importância para que ela seja dotada de efetividade, sendo um dos clássicos instrumentos de que dispõe o poder público para proceder à recuperação do crédito tributário. A invasão do patrimônio do sócio é medida que visa a realizar justiça no caso concreto, permitindo a satisfação do crédito tributário e, conseqüentemente, possibilitando ao Estado a efetivação de sua missão existencial, qual seja, o bem comum de seu povo.

Carlos Alberto Bittar Filho é Procurador do Estado de São Paulo e Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo.

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