Título: Megafraude fiscal abala a Alemanha
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 22/02/2008, Internacional, p. A21

Um escândalo envolvendo espiões do governo alemão no paraíso fiscal alpino de Lichtenstein vem criando calafrios em empresários e autoridades da Alemanha, temerosos de que contas bancárias dinheiro não declarado sejam trazidas à tona.

O serviço secreto alemão pagou, em 2006, ? 4,2 milhões de euros a um informante por um CD com dados sobre depósitos em Lichtenteins que podem incriminar cerca de mil cidadãos alemães.

Os envolvidos são acusados de transferir ilegalmente até ? 4 bilhões de euros para o pequeno principado (de 160 km2) de Lichtenstein, para evitar os impostos alemães. Esses fundos estão em contas de fictícias ONGs de caridade. Ou ainda não teriam passado pelos caminhos legais para serem depositados em Lichtenstein, acusa o governo alemão. Segundo a imprensa do país, é o maior caso de fraude fiscal já descoberto e, acima disso, o primeiro com a participação do serviço secreto.

A investigação dos depósitos vinha ocorrendo sem grande publicidade desde o ano passado, mas, nos últimos dias, a polícia alemã tem feito buscas em casas de suspeitos em Munique, Hamburgo, Frankfurt e Ulm. Já chegou a ser detida ao menos uma figura de prestígio, o presidente do Deutsche Post (os correios), Klaus Zumwinkel, que renunciou ao cargo.

Uma série de banqueiros alemães também estão sob investigação, suspeitos de terem ajudado seus clientes a mandar dinheiro para o principado vizinho sem o pagamento de impostos.

O caso ameaça ainda as relações entre os dois países. O príncipe herdeiro Alois Von Lichtenstein reclamou dos alemães: "Um país tem o direito de obter informações infringindo a lei em um país amigo e provavelmente infringindo suas próprias leis? Espionar os nossos clientes é algo impensável. Vamos tomar providências para proteger nossos cidadãos e nossos clientes de fora do país também".

O país tem 15 bancos registrados que administram cerca de ? 150 bilhões de euros. A família real de Lichtenstein é dona do banco LGT, que foi de onde o CD com as informações saiu, segundo o Promotoria alemã.

Pierre Mirabaud, presidente da federação dos bancos da Suíça, disse que os métodos alemães eram "remanescentes da Gestapo [a polícia nazista]". Acabou pedindo desculpas pela declaração.

A premiê alemã, Angela Merkel, ameaçou isolar Liechtenstein se o país não adotar regras de transparência bancária. Ela advertiu que o Parlamento alemão pode bloquear a entrada do principado de 35 mil habitantes no chamado espaço Schengen, a área de livre circulação européia. A entrada de Lichtenstein está marcada para novembro, mas depende da ratificação alemã.

"É inaceitável que tenhamos paraísos fiscais na Europa que encorajem a fuga de capitais e incitem fraudes fiscais", disse o secretário-geral da CDU, partido de Merkel. "Temos de garantir que lugares assim sejam fechados", completou.

A premiê pediu que o principado aja rapidamente: "O relógio está andando". Quanto ao príncipe Alois, Merkel disse que sua reação "não foi o modo certo de se portar e francamente não foi muito positiva para as nossas relações".

Autoridades da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) disseram ao "Financial Times" que, de todos os paraísos fiscais monitorados pela instituição, Liechtenstein seria o "mais fechado" - até mais do que Mônaco e Andorra, que também fazem parte da lista negra de "jurisdições que não cooperam".