Título: Universal inspira setores do Partido dos Trabalhadores
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 22/02/2008, Opinião, p. A22

Deslocada do contexto, a declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a guerra judicial deflagrada pela Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) contra órgãos de imprensa e jornalistas parece revestida de uma inocente lógica democrática: "No dia em que a 'Folha de S. Paulo' se sentir atingida pela Igreja Universal, ela vá processar a Igreja Universal. No dia em que a Igreja Universal se sentir atingida pela 'Folha de S. Paulo', ela vá processar a 'Folha' - e, assim, a democracia vai se consolidando no país".

Inserida na realidade, todavia, a ligeireza da afirmação se presta a estimular ações judiciais que estão longe de ser um mero exercício de direito democrático. Os processos movidos pela Universal não têm a intenção de reparar eventuais ofensas pela Justiça, mas de retaliação. Não pretendem reclamar de uma injustiça, mas inviabilizar a legítima defesa dos processados. Não querem restabelecer uma verdade, mas simplesmente coagir aqueles que ousaram reportar as atividades da igreja, e intimidar os órgãos de imprensa para que desviem seus olhares de uma instituição que funciona com excessiva autonomia e regras próprias.

A Iurd orquestrou em todo o país 56 ações, em 20 Estados, contra a "Folha de S. Paulo" e a jornalista Elvira Lobato, mais 35 contra o jornal "A Tarde", da Bahia, e outros cinco contra o "Extra" e seu diretor de redação, e tem mantido jornais e jornalistas por meses tentando se defender ao mesmo tempo em cidades tão longínquas como Uruguaiana (RS) e Araguatins (TO) - e, em algum momento, algum deles vai ser condenado em primeira instância por impossibilidade física de estar em dois ou mais lugares ao mesmo tempo. Esse comportamento está longe de ser o exercício de um direito democrático. É uma mera retaliação e o uso de fiéis e da Justiça para intimidar opositores.

Se não quisesse entrar nessa briga, Lula poderia simplesmente ter se calado. Afinal, o Executivo nada pode fazer para impedir a ofensiva da Universal ou para limitar o uso abusivo da Justiça com fins retaliatórios e de intimidação. Ao tratar a metralhadora giratória da Iurd como normalidade, no entanto, corre o sério risco de estimular esse comportamento e estendê-lo a outros setores. Se isso ocorrer, será a generalização do uso da Justiça para fins privados. E isto está longe de ser democrático.

É público que as relações entre governo e imprensa se deterioraram muito desde 2005, quando estouraram os primeiros escândalos envolvendo a base aliada e membros do governo. A animosidade é crescente. No caso do PT, as relações com os órgãos de imprensa, que nunca foram satisfatórias, chegaram ao limite do desgaste. Não é de se estranhar, portanto, que a declaração pretensamente inocente de Lula sobre a ofensiva da Iurd contra os jornais tenha incentivado e legitimado um movimento - que já existia dentro do PT - para mobilizar a militância e, a exemplo da Universal, disparar no Brasil inteiro processos contra jornais e jornalistas que façam e publiquem matérias que o partido considere ofensivas a ele ou ao governo ("Ações da Universal encorajam PT", Valor, 21/02/2008).

O estímulo a esse comportamento não é apropriado ao presidente da República, a quem cabe a preservação das instituições. A lei é para todos e, se a imprensa for condenada por denúncias que tenha feito, isso deve ocorrer numa situação onde seja preservado o pleno direito de defesa dos que foram processados. A parte diretamente ofendida - os representantes da Universal, ou do PT - devem procurar a Justiça, se se considerarem prejudicados, ofendidos ou difamados. Não se deve imaginar, contudo, que seja justo manietar partidários, da igreja ou do partido, para que reclamem como ofendidos contra jornais e jornalistas que sequer os mencionaram, simplesmente para retaliar órgãos de imprensa.

Em poucos momentos da história do país houve uma situação tão aguda de conflito entre um governo, um presidente e um partido no poder e a imprensa. O país vive um momento extremado. Uma conjuntura como esta, no entanto, não pode ser um pretexto para usar a Justiça como arma de intimidação. A instância judiciária é um recurso de defesa dos interesses de todos os brasileiros e não pode simplesmente ser apropriada para acuar adversários.