Título: Cooperação tecnológica
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 22/02/2008, Opinião, p. A23

No início de fevereiro, a Academia Nacional de Engenharia dos EUA divulgou um relatório sobre "Grandes Desafios para a Engenharia no Século XXI". O objetivo é focar atenção no potencial da tecnologia para ajudar o mundo a enfrentar ameaças da pobreza e ao meio ambiente. A lista compreende progressos radicais potenciais, como energia solar barata, descarte seguro do CO2 gerado em usinas de eletricidade, fusão nuclear, novas tecnologias educacionais e controle de efeitos colaterais sobre o meio ambiente decorrente do uso de fertilizantes contendo nitrogênio. O relatório, e uma lista similar de "Grandes Desafios" para a saúde mundial feita pela Fundação Gates, ressalta nova prioridade mundial: estimular o desenvolvimento de tecnologias avançadas para um desenvolvimento sustentado.

Estamos acostumados a pensar em cooperação mundial em campos como política monetária, controle sanitário ou proliferação de armas nucleares, mas menos habituados a pensar em cooperação mundial para promover novas tecnologias como energia limpa, vacina contra malária ou safras resistentes a secas para ajudar agricultores africanos pobres. De modo geral, consideramos novas tecnologias como algo a ser desenvolvido por empresas para o mercado, e não como oportunidades de solução para problemas mundiais.

Mas, tendo em vista as enormes pressões com que nos defrontamos em todo o mundo, entre elas a enorme desigualdade de rendas e o enorme dano ao meio ambiente, precisamos encontrar novas soluções tecnológicas para nossos problemas. Não há possibilidade, por exemplo, de que continuemos expandindo o uso mundial de energia de modo seguro, a menos que modifiquemos drasticamente a maneira como produzimos eletricidade, movemos nossos automóveis e aquecemos e refrigeramos nossos edifícios. A atual dependência em relação ao carvão, gás natural e petróleo, sem levar em conta a geração de emissões de CO2, é hoje simplesmente demasiado perigosa, por estar provocando mudanças climáticas que disseminarão doenças, destruirão safras, produzirão mais secas e enchentes, e talvez venham a causar substancial elevação nos níveis do mar, inundando, assim, regiões costeiras.

A Academia Nacional de Engenharia identificou algumas respostas possíveis. Podemos utilizar energia nuclear segura, reduzir o custo da eletricidade obtida da energia solar ou capturar e armazenar em segurança o CO2 produzido na queima de combustíveis fósseis. Mas as tecnologias ainda não estão maduras e simplesmente não podemos esperar que o mercado as produza, porque elas exigem complexas mudanças de políticas públicas para assegurar que sejam seguras, confiáveis e aceitáveis para a sociedade com um todo. Além disso, não há estímulos de mercado em vigor capazes de induzir empresas privadas a investirem adequadamente em seu desenvolvimento.

Consideremos a captura e seqüestro de carbono. A idéia é que usinas geradoras de eletricidade e outros grandes usuários de combustíveis fósseis capturem o CO2 e o bombeiem para sítios subterrâneos de armazenamento permanente, como velhos campos petrolíferos. Isso custará, digamos, US$ 30 por tonelada de CO2 armazenado, de modo que as empresas necessitarão incentivos para fazê-lo. Além disso, políticas públicas terão de incentivar testes e aperfeiçoamento dessa tecnologia, especialmente quando usada em larga escala.

-------------------------------------------------------------------------------- Avanços revolucionários bem-sucedidos podem proporcionar estupendos benefícios tecnológicos para a humanidade --------------------------------------------------------------------------------

Novos tipos de usinas de eletricidade terão de ser construídas para tornar econômica a captura do carbono, novos dutos terão de ser construídos para transportar o CO2 até sítios de armazenamento e novos sistemas de monitoração terão de ser projetados para controlar vazamentos. Nessa mesma linha, novas leis serão necessárias para garantir o respeito a procedimentos de segurança e para assegurar o apoio da opinião pública. Tudo isso levará tempo e exigirá investimentos caros e muita colaboração entre cientistas e engenheiros em universidades, laboratórios governamentais e empresas privadas.

Além disso, esse tipo de tecnologia será útil apenas se for usada amplamente, especialmente na China e na Índia. Isso coloca outro obstáculo no terreno da inovação tecnológica: precisaremos apoiar a transferência de tecnologias comprovadas para países mais pobres. Se os países ricos monopolizarem as novas tecnologias, o objetivo de seu uso mundial para solucionar problemas mundiais não será atingido. Assim, desenvolvimentos tecnológicos deverão envolver um esforço de colaboração internacional desde o início.

Tudo isso exigirá nova abordagem mundial à solução de problemas. Necessitaremos abraçar objetivos mundiais e depois estabelecer processos científicos, de engenharia, e políticos, para apoiar sua consecução. Precisaremos criar novos incentivos orçamentários para promover projetos-piloto e para estimular transferências de tecnologia. E teremos de engajar importantes companhias de maneira nova, proporcionando a elas amplos incentivos e recompensas de mercado para premiar seus êxitos, sem permitir que se reservem monopólios sobre tecnologias bem-sucedidas que devam ser adotadas amplamente.

Acredito que esse novo tipo de parceria mundial público-privada em desenvolvimento tecnológico será um importante objetivo de política internacional nos próximos anos. Devemos buscar novas abordagens cooperativas mundiais para o desenvolvimento de sistemas de energia limpa, medicamentos e vacinas, técnicas aperfeiçoadas para piscicultura, variedades de culturas resistentes a secas e temperaturas extremas, desenvolvimento de automóveis com alta eficiência energética e técnicas baratas de irrigação.

Os países ricos deveriam bancar substancialmente esses esforços, que devem ser aplicados em colaboração com países pobres e o setor privado. Avanços tecnológicos revolucionários bem-sucedidos podem proporcionar estupendos benefícios para a humanidade. Esse será um momento empolgante para os cientistas ou engenheiros que enfrentarão os desafios de um desenvolvimento sustentável.

Jeffrey Sachs é professor de Economia e diretor do Instituto Terra da Universidade Colúmbia. © Project Syndicate/Europe´s World, 2008. www.project-syndicate.org