Título: Brasil não pode abrir mão do gás boliviano, diz Amorim
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 22/02/2008, Especial, p. A24

AP Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores: "O Brasil não vai tomar uma posição que implique risco de apagão" Às vésperas da reunião entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Cristina Kirchner e Evo Morales para discutir quem abre mão do gás para quem, Brasil e Argentina iniciaram uma troca de mensagens pela imprensa, revelando que a disputa não será fácil. Morales já avisou que a Bolívia não vai conseguir entregar todo o gás contratado pelos dois países este ano e este é o motivo da reunião marcada para sábado, na residência oficial de Olivos.

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse ontem várias vezes, durante uma entrevista a jornalistas na sede da embaixada do Brasil em Buenos Aires, que o país não pode abrir mão de seu suprimento de gás boliviano, de 30 milhões de metros cúbicos, sob o risco de ficar desabastecido. "O Brasil não vai tomar uma posição que implique risco de apagão", garantiu o ministro.

Cristina Kirchner mandou seu recado pelo jornal "Clarín", o mais importante do país e o único que tem acesso a informações de dentro do governo argentino. "Se não se pode diminuir a demanda em 2 milhões ou 3 milhões de metros cúbicos diários no Brasil para redirecionar essa quantidade para a Argentina, o governo não terá outra opção senão revisar os empreendimentos petroquímicos locais onde a Petrobras aparece como um grande consumidor de gás", afirmou ao "Clarín" uma fonte do Ministério do Planejamento, órgão responsável pela gestão da área energética do país.

O ministro Amorim, que estava ontem na capital portenha para uma reunião de chanceleres da América do Sul e dos países árabes, disse que "não se pode despir um santo para vestir outro", referindo-se ao gás boliviano. Ele não quis antecipar qual a proposta que o presidente Lula está levando para a reunião trilateral. No entanto, frisou que o Brasil tem de cuidar, em primeiro lugar, de seu próprio abastecimento. "O Brasil tem toda boa vontade de ajudar, mas não pode de antemão se comprometer com uma determinada quantidade (estabelecida em contrato)", afirmou.

Dos 40 milhões a 42 milhões de metros cúbicos de gás que extrai diariamente, a Bolívia tem um contrato para fornecer a maior parte (31 milhões) para o Brasil, 7,7 milhões para a Argentina, e ainda dar conta dos 6 milhões a 7 milhões do consumo interno. Atualmente, a Argentina está recebendo menos da metade do volume contratado, apesar de pagar US$ 2 a mais que o Brasil (US$ 7 contra US$ 5) por metro cúbico.

Amorim admitiu a possibilidade de uma solução como a que foi tomada no ano passado, quando a Argentina pediu ajuda ao Brasil para se abastecer de gás e energia elétrica durante uma séria crise que levou à paralisação de várias indústrias. "No passado, o (ex) presidente Néstor Kirchner pediu 4 milhões de metros cúbicos de gás, que o Brasil não tinha. Mas cedemos o equivalente em eletricidade", afirmou. Questionado se essa seria a oferta de Lula a Cristina desta vez, ele respondeu que não sabia.

O presidente Lula inicia hoje uma visita de Estado à Argentina, acompanhado de vários ministros. O chanceler brasileiro explicou que embora a energia fosse um dos principais pontos da pauta da visita de Lula, o tema não será resumido ao gás. Os dois países devem assinar os acordos para dar a largada no projeto de construção da hidrelétrica de Garabi e para cooperação na área de energia nuclear.

A hidrelétrica de Garabi será construída na Bacia do Rio Uruguai, na área de fronteira entre Rio Grande do Sul e as províncias de Corrientes e Misiones. Terá duas usinas (uma de cada lado da fronteira), com capacidade instalada total de 1,8 mil MW. O projeto, estimado em US$ 2 bilhões, levará cinco anos para ficar pronto. "É nosso desejo acelerar Garabi. Haverá uma referência no documento sobre o modelo da usina", afirmou Amorim, acrescentando que o projeto já foi analisado pelos dois governos e agora entra em sua fase "empresarial".

Na área de energia nuclear, Amorim antecipou que são "projetos de reatores e combustíveis nucleares". "Será um anúncio muito positivo que vai ter impacto forte na opinião pública", disse o ministro, evitando dar detalhes do acordo.