Título: Cresce importação de pescado chinês
Autor: Jurgenfeld, Vanessa; Mandl, Carolina
Fonte: Valor Econômico, 22/02/2008, Agronegócios, p. B16

Não são apenas os fabricantes brasileiros de calçados, têxteis, porcelanas e brinquedos que têm que se preocupar com a concorrência dos produtos chineses. Agora é no segmento de pescados que a China começa a mostrar ao Brasil sua capacidade de fornecimento em larga escala a preços competitivos.

A importação de pescados da China pelo Brasil aumentou de forma acentuada em 2007, e a tendência é de incremento ainda maior se considerado o volume importado somente em janeiro último, equivalente a um terço do total apurado no ano passado.

De acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), as importações brasileiras de pescados da China somaram US$ 7,38 milhões em 2007, 15 vezes mais que em 2006 (US$ 478,5 mil). Em janeiro de 2008, as compras somaram US$ 2,04 milhões.

"Os importados em geral estão entrando com força, e já há um volume grande vindo da China. Está mais difícil de competir, sobretudo por causa do câmbio. Os importados estão muito baratos e alguns já são trazidos diretamente por grandes redes de supermercados", afirma Attílio Leardini, proprietário da indústria de pescados Leardini, de Santa Catarina.

A importação de pescados da China foi permitida depois de um acordo bilateral assinado em dezembro de 2004, pelo qual o Brasil abriu mercado para envoltórios naturais (tripas) de suínos e para pescados (peixes marinhos e filés de peixes marinhos de pesca extrativa, polvos, lulas e calamares) de origem chinesa, enquanto os chineses se comprometeram a comprar suínos e frangos do Brasil.

O que chama a atenção dos empresários brasileiros é a rapidez com que os chineses entraram e ocuparam espaço depois que a porta foi aberta, e o fato de suas vendas envolverem filés congelados de pescados similares aos capturados na costa brasileira. Dario Luiz Vitali, presidente da Vitalmar, também catarinense, confirma que a maior parte das importações é mesmo formada por filés congelados, similares à pescada, abrótea (espécie semelhante ao bacalhau) e pescadinha.

Também presidente do Sindicato da Indústria da Pesca de Itajaí e Região, Vitali diz que já há uma movimentação entre os empresários junto ao governo federal para que a invasão chinesa seja contida. Entre as sugestões estão o uso de cotas, como ocorreu há alguns anos diante de uma avalanche de sardinhas venezuelanas, ou mesmo a imposição de exigências mais rígidas ligadas à produção.

Segundo os empresários brasileiros, na produção chinesa, por exemplo, não há limitação de uso do tripoli- fosfato de sódio, um sal usado no congelamento para conservar o pescado que impede que ele perca a água da constituição do próprio pescado, o sabor ou proteínas, evitando também que o produto perca peso no processo.

No Brasil, o fosfato só pode ser usado no glaciamento, etapa posterior ao congelamento, na quantidade de 0,5% do volume do pescado. "O fosfato é usado em diversos países antes do congelamento, enquanto no Brasil isso não pode ser feito. Não é errado usá-lo. Mas no caso dos pescados chineses, sabemos que abusam do volume, o que interfere no peso e leva a uma concorrência desleal com os produtores brasileiros", diz o consultor Estevam Martins.

Embora a tendência seja de crescimento, Guilherme Crispim, coordenador de comercialização da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca (Seap) do governo federal, não vê motivos para pânico, uma vez que a presença dos pescados chineses no Brasil ainda não é significativa. Há, hoje, 25 frigoríficos chineses habilitados a exportar pescados ao Brasil, sendo impedida a importação da área de aqüicultura, que envolveria peixes de cativeiro como a tilápia. Este segmento, ainda em desenvolvimento no Brasil, tem na China um dos players de maior competitividade.

Nesse cenário, Crispim afirma que não há previsão de imposição de salvaguardas aos pescados da China Ele sustenta que, por enquanto, a demanda brasileira por pescados está em crescimento e as importações são até necessárias. Destaca, ainda, que embora a importação preocupe alguns, há indústrias, varejistas e atacadistas aproveitando a situação para incrementar os negócios no ramo.

E não é só a China que está vendendo mais pescados no Brasil. Impulsionada pela valorização do real ante o dólar, as importações brasileiras desses produtos bateram recorde e atingiram US$ 542,8 milhões em 2007. Com isso, o déficit da balança do segmento somou US$ 258,5 milhões, o maior desde 1999.

A China, apesar de surpreender pela famosa combinação "preço baixo-grandes volumes", ainda representa muito pouco do total importado, e ocupa o sétimo lugar entre os principais países fornecedores de pescados ao Brasil. Os asiáticos perdem para tradicionais produtores como Noruega (de onde o Brasil importa principalmente bacalhau) e Chile (conhecido pelo salmão). Ambos respondem por 33% e 21% das importações, respectivamente.

"Qualquer empresa de pescados no Brasil tinha até pouco tempo o foco na exportação. Mas o câmbio fez com que buscássemos alternativas e agora todas estão trabalhando melhor o mercado interno", afirma Vitali. Conforme ele, a indústria nacional precisa buscar maior visibilidade no mercado doméstico, com novos produtos, e em alguns casos também aproveitar a abertura da China para importar e distribuir os produtos do gigante asiático no mercado brasileiro.

A Leardini, por exemplo, aumentou as importações em 200% em 2007 em relação a 2006. A indústria, no ano passado, reduziu a sua produção própria porque passou a atuar também como distribuidora de produtos. "Fizemos as primeiras importações da China em 2007. Sempre fomos produtores de pescados e exportadores, mas hoje somos também importadores. Se em 2008, o real continuar valorizado, devemos diminuir mais a força de trabalho e aumentar a capacidade ociosa na produção", diz Attílio, que recuou suas exportações de 40% do faturamento para aproximadamente 10%.

A Netuno, indústria pernambucana de pescados, importou no ano passado 6 mil toneladas de peixes, o que representou um crescimento de 30% em relação ao ano anterior e cerca de 45% de tudo o que a empresa vendeu. "A produção nacional ainda não é suficiente para gerar preço baixo e fornecimento contínuo. Por isso precisamos importar. Trazer o pescado de outros países tem sido mais viável do que pescar aqui", explica Eduardo Lobo, diretor de marketing da Netuno.