Título: Brasil e Argentina definem cooperação nuclear, mas acordo sobre gás fracassa
Autor: Rocha , Janes
Fonte: Valor Econômico, 25/02/2008, Brasil, p. A2

Os governos do Brasil e da Argentina assinaram um amplo acordo na área energética, que vai garantir mais energia de fontes diversificadas para os dois países a médio e longo prazos. Mas o documento ficou ofuscado pela questão emergencial de curto prazo: o suprimento de gás para a Argentina no próximo inverno. Uma negociação para que o Brasil cedesse parte de sua cota do gás boliviano para a Argentina, fracassou após reunião trilateral realizada sábado na residência oficial de Olivos.

Os acordos assinados na sexta-feira, durante a primeira visita de Estado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à presidente da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner, prevêem um histórico avanço na cooperação nuclear entre os dois países, além da construção de nova hidrelétrica no rio Uruguai, ampliação da estrutura de transmissão elétrica, um programa bilateral de energias novas e renováveis e a entrada do Brasil em um projeto de regaseificação de gás natural (GNL) venezuelano.

O acordo de cooperação nuclear prevê um projeto comum incluindo a constituição de uma nova empresa binacional de enriquecimento de urânio e o desenvolvimento de um modelo de reator nuclear que permitirá reforçar os sistemas elétricos dos dois países, com possibilidade de atender aos países vizinhos.

Uma novidade dos acordos assinados na visita de Lula é trazer, pela primeira vez, um cronograma de implementação de cada uma das medidas. No acordo nuclear, por exemplo, ficou determinado que até o fim de junho devem ter início as negociações para a constituição da empresa binacional que vai fazer o enriquecimento de urânio. Até 30 de agosto serão apresentados os relatórios específicos a esta etapa.

O ministro da Defesa, Nelson Jobin, que acompanhou Lula, explicou que o acordo prevê também a montagem conjunta de um submarino nuclear, com tecnologia francesa. "O Brasil já tem o ciclo de combustível e o que estamos discutindo com a França é a parte não-nuclear do submarino", afirmou o ministro.

Já a hidrelétrica de Garabi, que agora entra na fase de licitação de estudos de marco regulatório, vai representar o acréscimo de 1,8 mil MW, o equivalente a 20% da produção da hidrelétrica de Itaipu (binacional com o Paraguai). Mas é um projeto de longo prazo. O cronograma prevê o início da construção a partir de 2011, quando deve ficar pronto o relatório de impacto ambiental. A partir daí, dizem os especialistas, vai levar mais cinco anos para ser construída.

O problema é que Brasil, Argentina e todos os países da região têm pressa. "A economia da Argentina crescendo a 8%, a do Brasil 5%, a da Bolívia a 4%, todos nós vamos precisar de mais energia", reconheceu o presidente Lula, na caótica entrevista que deu à imprensa brasileira e argentina sábado, no pátio da base aérea, minutos antes de embarcar no avião presidencial, debaixo de forte sol e com voz abafada pelas turbinas dos aviões e pelo som da banda militar que tocava em homenagem à delegação brasileira.

Lula havia acabado de sair da reunião com Cristina Kirchner, da qual também participou o presidente da Bolívia, Evo Morales. No encontro, segundo o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, Cristina pediu a Lula um milhão de metros cúbicos de gás da cota que o Brasil importa da Bolívia, que é de 31 milhões de m3 diários. A resposta foi não ao gás, mas Lula propôs ampliar o fornecimento de energia elétrica, com o envio adicional de 200 MW/hora, em troca do mesmo insumo que a Argentina pagaria quando pudesse. Seria o primeiro teste de um novo mecanismo, previsto nos acordos assinados na sexta-feira, de "intercâmbio compensado de energia elétrica entre os dois países, em base permanente". Ficou acertado que os ministros de energia dos três países vão se reunir em dez dias para encontrar uma solução.

O resultado da reunião trilateral de sábado foi decepcionante, não só para a Argentina, que precisa urgentemente de mais gás, mas também para o governo boliviano, que esperava promover um entendimento entre os maiores sócios do Mercosul. Morales queria evitar assumir o descumprimento dos contratos - que poderá resultar em multa para a Bolívia - diante do fato, já reconhecido, de que não poderá fornecer todo o gás prometido aos seus dois únicos clientes.

Morales, que normalmente é o presidente mais acessível à imprensa entre os três, ficou tão frustrado que cancelou uma entrevista coletiva que havia sido marcada pela embaixada boliviana em Buenos Aires e voltou para La Paz sem dizer uma palavra sobre o assunto.