Título: A pior inflação desde 2005
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 09/02/2011, Economia, p. 11

Todos os indicadores de inflação estão jogando contra o governo e o bolso do brasileiro. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) superou as expectativas do mercado ao registrar 0,83% em janeiro ¿ a maior variação desde abril de 2005, quando a taxa havia ficado em 0,87%. O Índice de Preços ao Consumidor ¿ Disponibilidade Interna (IGP-DI), usado para reajustar tarifas públicas, quase triplicou no mês passado ao registrar 0,98%. Na mesma toada de números ruins, o Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S) chegou a 1,16%. Tamanha corrosão do poder de compra está preocupando o Banco Central, que, em função da leniência da instituição sob o comando de Henrique Meirelles nos últimos dois anos, agora tem uma fatura cara para pagar.

Com o IPCA pesado de janeiro, as expectativas dos analistas pioraram e agora as apostas são de que a inflação para 2011 deve encostar no teto da meta, algo próximo de 6,5%. A própria autoridade monetária vem admitindo em seus documentos que alcançar o centro da meta neste ano, de 4,5%, é impossível. ¿Janeiro ficou acima do esperado por nós e pelo mercado. As projeções estavam entre 0,79% e 0,81%¿, afirmou Octávio de Barros, diretor de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco. Para fevereiro, espera-se mais aceleração de preços, com a inflação chegando pelo menos a 0,90%. ¿Não esperamos grandes alívios já que novos reajustes, em especial de educação, serão incorporados e os preços de alimentação permanecem pressionando¿, argumentou Barros.

A gestão do BC que antecedeu o presidente Alexandre Tombini na instituição, segundo analistas, agiu por interesses políticos e foi leniente no controle da inflação. A conta ficou para o governo Dilma Rousseff, que, apenas no primeiro trimestre do ano, deve registrar um IPCA acumulado de mais de 2% ¿ praticamente, metade do centro da meta. ¿Tem muita inflação contratada para este início de ano. O BC não tem muito o que fazer, está de mãos atadas¿, avaliou Elson Teles, economista-chefe da Máxima Asset Manegement. Ele, assim como todo o mercado, está na espera do ajuste fiscal que deve ser anunciado em breve pelo governo e que, se efetivo, irá diminuir o ritmo do consumo no país e, consequentemente, promover um arrefecimento dos preços.

Missão Pelos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a missão da equipe econômica será difícil, a inflação está se alastrando pelos preços e mesmo com o país crescendo em ritmo menor que o de 2010, terá um IPCA semelhante ao do ano passado ou até mesmo superior. Além do choque de oferta dos alimentos em função de diversos problemas climáticos ¿ que têm encolhido a produção frente um consumo extremamente aquecido ¿ os serviços, transporte, habitação, saúde e educação apresentaram elevações expressivas. ¿Normalmente, os resultados de inflação sofrem pressões sazonais no início do ano. Entretanto, o IPCA tem captado mais que apenas efeitos sazonais até o momento¿, ponderou Laura Haralyi, economista do Itaú Unibanco.

No mês passado, os maiores impactos no bolso do consumidor vieram principalmente de transportes e alimentos. O primeiro encareceu, na média, 1,55%; o segundo, 1,16%. Apenas a passagem aérea subiu 6,21%. Entre os alimentos, o vilão foi o chuchu, cujo preço disparou 88,17% no mês passado. Em ritmo menor, mas não menos expressivo, o tomate registrou alta de 27,11% e a cenoura, de 22,32%. Na visão de Flávio Serrano, economista do Espírito Santo Investment Bank, o cenário inflacionário vem se agravando nos últimos meses e vai exigir atitudes mais fortes por parte do governo. ¿Essa situação reforça a preocupação dos participantes do mercado em termos de perspectivas de inflação e também sublinha a necessidade de maior rigor no aperto monetário¿, afirmou Serrano.

Dólar volta a cair » O dólar interrompeu a série de quatro altas seguidas e fechou em baixa ontem. Reagindo à instabilidade no cenário internacional e à continuidade da entrada de recursos no país, a moeda norte-americana recuou 0,77%, a R$ 1,667. Segundo um operador, a intervenção do Banco Central ontem foi tímida, com a compra de um lote relativamente pequeno de dólares. A autoridade fez apenas dois leilões de compra de dólares no mercado à vista, com corte a R$ 1,6751 e R$ 1,6662. ¿O BC aparentemente não comprou muito e houve um grande fluxo de dólares para o mercado hoje¿, afirmou outro operador. Até 28 de janeiro, o país já havia registrado no ano a entrada líquida de US$ 12,371 bilhões. No exterior, a moeda norte-americana também se desvalorizou. Enquanto o mercado brasileiro fechava, o dólar caía 0,2% em relação a uma cesta com as principais divisas e 0,5% frente ao euro.

Compras mais caras O governo quer frear o pesado endividamento do brasileiro fora do país e, ao mesmo tempo, diminuir o rombo nas contas externas. Fernando Pimentel, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), apresentou à presidente Dilma Rousseff uma proposta de decreto para elevar a tributação sobre o cartão de crédito internacional, um dos itens que mais tem contribuído para o deficit em transações correntes. A ideia dele é subir o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de 2,38% para até 6% sobre o total da fatura do plástico nas compras internacionais. Fontes do governo afirmam que um número de consenso seria uma elevação um pouco menor do tributo, para 4%.

Entre as justificativas para a elevação do imposto está o receio de uma aceleração das dívidas e da inadimplência em dólar, além da concorrência entre os produtos importados e os nacionais. Os industriais brasileiros têm reclamado ao ministro de que estão perdendo espaço ¿ o que é rebatido por especialistas que garantem que, se não fosse o ingresso desses itens no país, a inflação bateria ainda mais intensamente no bolso do consumidor. O decreto está sob análise do Palácio do Planalto.

Dúvida Atualmente, de cada R$ 100 em compras internacionais, o consumidor é taxado em R$ 2,38. Se a proposta de Pimentel for aprovada por Dilma, esse valor irá subir para até R$ 6. Uma das dúvidas sobre a eficácia do decreto vem da hipótese de o consumidor apenas abandonar a compra no plástico, trocando-a pela feita em dinheiro, e continuar a gastança no exterior, o que diminuiria consideravelmente o impacto da resolução.

Com o dólar desvalorizado frente o real, variando entre R$ 1,70 e R$ 1,67, mesmo com a medida, ir ao exterior para gastar ainda continuaria bastante atrativo, principalmente, para o brasileiro, que teve seu poder de compra bastante fortalecido nos últimos anos. Os ganhos salariais acima da inflação para diversas categorias, somados a um mercado de trabalho pujante e a passagens aéreas mais acessíveis, continua a configurar um cenário estimulante. (VM)

Colheita de verão » A colheita de verão deverá aumentar a oferta de alimentos, colocando 119 milhões de toneladas de arroz, feijão, soja e milho no mercado. A estimativa é da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), com base no fato de que os agricultores de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Goiás, São Paulo e Rio Grande do Sul iniciaram a colheita em janeiro. Até o fim de abril, deverão estar colhidos 80% das 149,4 milhões de toneladas previstas para o ciclo agrícola 2010/2011. A produção estimada para o período, no entanto, é 0,1% inferior à obtida no ciclo 2008/2009, o que preocupa, uma vez que a demanda por produtos alimentícios vem aumentando no mundo e os preços estão em alta. Apesar disso, o gerente da Conab, Carlos Bestéti, acredita em um efeito positivo: ¿Em função da importância e do peso que esses produtos têm no cálculo dos índices de inflação, acredito que o início da colheita poderá ter impacto no bolso do consumidor.¿

Mantega minimiza » Gabriel Caprioli

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, tentou minimizar ontem a retomada da aceleração dos preços, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em janeiro. O indicador registrou avanço de 0,83% no mês passado, após ter arrefecido em dezembro, movimento que, para o ministro, já estava previsto.

¿Era esperado (o IPCA de janeiro) um pouco mais forte. O início do ano costuma ter uma pressão forte de transporte e de educação. Todo janeiro, vocês podem olhar, tem isso. Então juntaram as duas coisas e deu esse resultado¿, comentou. O grupo que engloba as tarifas de transporte foi o que teve maior aumento médio (1,55%) e mais expressiva contribuição individual na formação da inflação ¿ 0,29 ponto percentual do total de 0,83%.

Mantega atribuiu a aceleração do índice também à tendência de valorização das commodities agrícolas (produtos básicos com cotação internacional), itens que refletem no preço dos alimentos. ¿Não é um problema do Brasil. (...) as commodities estão em patamar elevado no mundo. Acredito que elas vão ter uma trajetória descendente ou estável nos próximos meses.¿

Com o resultado de janeiro, o IPCA retoma a tendência do segundo semestre do ano passado, quando os alimentos foram responsáveis pela aceleração do indicador. Mantega, no entanto, mantém-se otimista. ¿Não digo já em fevereiro, porque este mês ainda tem uma pressão de transportes, mas a partir de março e abril, vocês vão ver esse índice diminuindo¿, afirmou.

O retorno ao patamar de novembro ¿ quando o indicador também teve alta de 0,83% ¿ reduziu a confiança dos analistas em um arrefecimento mais consistente da inflação. Para parte do mercado, a contenção de despesas prometida pelo governo deve contribuir para reduzir as pressões, entretanto, a maioria espera para refazer os cálculos. ¿A expectativa é de que esse corte do orçamento saia ao longo da semana, algo em torno de R$ 60 bilhões¿, comentou Élson Teles, economista da Máxima Asset Managemet.