Título: Competitividade da China cai com alta no câmbio e nos preços
Autor: Kurtenbach , Elaine ; Press, Associated
Fonte: Valor Econômico, 25/02/2008, Internacional, p. A11

Os ursinhos vendidos a US$ 1,40 na loja da Ikea em Xangai podem ser os mais baratos na cidade, mas não são feitos na China - são costurados e estofados na Indonésia. Os ursinhos marrons refletem um novo problema para a China: sua enorme economia, há muito tempo palco dos menores custos de manufatura no mundo, está perdendo essa vantagem, à medida que as fábricas são pressionadas por crescentes preços de energia, matérias-primas e mão-de-obra.

Essas despesas, somadas a impostos mais altos e aplicação mais rigorosa de normas trabalhistas e ambientais, estão fazendo com que alguns fabricantes deixem a China em busca de mercados com custos mais baixos, como Vietnã, Indonésia e Índia. Os custos subiram tanto que 75% das empresas pesquisadas pela Câmara Americana de Comércio em Xangai dizem que a China está perdendo sua vantagem competitiva.

A alta de custos implica que os consumidores ocidentais deverão ter de pagar mais na compra de iPods, TVs e muitos outros produtos produzidos por pequenas firmas terceirizadas chinesas.

"Os americanos continuam querendo comprar artigos baratos", disse Kevin Burke, presidente e executivo-chefe da Associação Americana de Vestuário e Calçados. "Acostumaram-se a ir às lojas no Natal e encontrar os produtos custando menos que no ano anterior." Isso já não é mais garantido.

Fabricantes americanos de brinquedos, por exemplo, que dependem muito de fábricas chinesas, acreditam que os preços vão subir de 5% a 10% na temporada de festas de fim de ano em 2008, em boa parte devido à alta nos custos de fabricação.

Os custos na China estão subindo em todo o país, mas seus efeitos mais agudos estão sendo sentidos no sul, onde cerca de 14 mil fábricas comandadas de Hong Kong poderão fechar as portas nos próximos meses, disse Polly Ko, do Birô Econômico e Comercial em Guangdong, vizinha a Hong Kong.

Para adaptar-se, muitos fabricantes multinacionais - entre eles a Intel, Hon Hai Technology Group, fabricante do iPod, e companhias japonesas como a Canon e a Sony estão ampliando suas operações no Vietnã.

Fabricantes de peças automobilísticas estão se mudando para o Oriente Médio e a Europa Oriental; fabricantes de têxteis estão migrando para Bangladesh e Índia.

No tradicional pólo exportador de Guangdong, no sul da China, milhares de fábricas de menor porte administradas a partir de Hong Kong, Taiwan ou da própria China estão encerrando as atividades ou migrando suas operações.

Por outro lado, a inflação chinesa atingiu seu ponto mais alto em mais de 11 anos, dando um salto de 7,1% em janeiro (no acumulado de 12 meses), quando o frio agravou a escassez de alimentos. As maiores altas de preços ocorreram no setor de alimentos, mas analistas dizem que pressões de mais longo prazo sobre os preços de produtos da indústria persistirão.

"A China precisa rever os preços de suas exportações, e isso tem de ser aceito pela clientela internacional", diz Andy Xie, economista de Xangai.

Mas elevar os preços poderá ser difícil para ao fabricantes chineses, em face das desconfianças quanto à qualidade de produtos despertada por uma série de escândalos com produtos defeituosos ou potencialmente nocivos.

Apesar de seu enorme contingente de trabalhadores rurais não especializados, o estoque de mão-de-obra experiente e capacitada na China está muito aquém da demanda. O descompasso vem pressionando uma alta nos salários entre 10% e 15% ao ano. Uma nova lei trabalhista impondo contratos de trabalho mais exigentes deverá elevar ainda mais os custos.

Os preços de plásticos e outros materiais registraram alta de pelo menos 30%, e as tarifas de eletricidade também estão em forte alta. O governo também reduziu as restituições de impostos sobre as exportações - originalmente concedidos para estimular as exportações - sobre mais de 2,8 mil produtos responsáveis por quase 40% de todas as exportações chinesas.

A contínua valorização da moeda chinesa, o yuan, também ajuda a agravar o problema.

Na loja da Ikea em Xangai, numa caminhada pelos corredores, vemos mais produtos "made in China" do que produzidos na Europa ou EUA. Mas uma crescente parcela dos artigos vêm de mercados menos desenvolvidos: brinquedos estofados da Indonésia, trenzinhos de madeira da Bulgária, tapetes coloridos da Índia, jogos de cama da Etiópia, cestos e bandejas de madeira do Vietnã.

"Estamos constantemente tendo de competir com outro países e fornecedores", disse Linda Xu, gerente de relações públicas da varejista sueca na China.

Para muitas empresas, especialmente as centradas no potencialmente enorme mercado chinês, abandonar o país seria um recurso extremo, diz Jonathan Woetzel, co-autor de "Operation China", um livro que delineia estratégias para competir no ambiente empresarial chinês em rápida mutação.

"Isso implica praticamente começar tudo de novo", disse ele. "Ainda há muitas oportunidades eliminar custos do sistema. O que estamos vendo são cadeias de suprimento estendendo-se para o interior do país, por exemplo, para montagem final."

No interior da China, os salários ainda são bem menores do que nas mais ricas áreas costeiras oriental e meridional.

Apesar dessas estratégias, os preços de produtos fabricados por chineses provavelmente continuarão a subir nos próximos anos, fazendo com que algumas companhias venham a investir em outros países, diz Jonathan Anderson, economista do UBS.

"Para o médio prazo, onde investir na construção de uma fábrica? Talvez não mais China. Possivelmente Bangladesh, Vietnã, Indonésia. Quem sabe na Índia."