Título: Cuba quer virar o paraíso socialista do golfe
Autor: Córdoba de José
Fonte: Valor Econômico, 25/02/2008, Internacional, p. A10

Em 1962, Fidel perdeu uma partida para Ernesto "Che" Guevara, que tinha sido carregador de tacos em sua cidade natal na Argentina antes de se tornar um líder guerrilheiro. A derrota de Fidel pode ter tido conseqüências desastrosas para o esporte no país. Ele mandou transformar um campo de golfe de Havana numa escola militar, e outro numa escola de arte. Um jornalista que escreveu sobre a derrota do Líder Máximo cubano, um notório mau perdedor, foi despedido no dia seguinte.

Agora, autoridades da ilha querem transformar o paraíso comunista de Fidel num centro desse esporte decididamente capitalista, para trazer dinheiro a sua necessitada economia. No ano passado, o ministro do Turismo de Cuba, Manuel Marrero, anunciou planos de construir dez campos de golfe para atrair turistas ricos.

"A mensagem de Cuba é: que venham projetos de golfe", diz Mark Entwistle, que já foi embaixador do Canadá na ilha.

Entwistle espera desenvolver a primeira comunidade de golfe de Cuba no extremo leste da ilha, com centenas de chalés e apartamentos em torno de um percurso de 36 buracos - o dobro do usual. Entwistle diz ter conhecimento de pelo menos outros 11 projetos, em vários estágios de desenvolvimento, envolvendo empreendedores canadenses, britânicos e espanhóis.

O homem por trás desse esforço é Raúl Castro, o ministro de defesa que se tornou presidente em exercício quando o irmão mais velho ficou doente em julho de 2006. Raúl, que gosta mais de briga de galos do que de golfe, foi confirmado ontem como sucessor de Fidel. Alarmado com a queda do número de turistas em Cuba, Raúl mandou autoridades de primeiro escalão fazer o golfe acontecer. O governo está criando uma força-tarefa de golfe. Autoridades cubanas envolvidas no programa dizem que não estão autorizados a comentar.

Para fazer o turismo de golfe dar certo, Cuba, que não reconhece o direito de comprar e vender propriedades, terá de autorizar aluguéis de até 75 anos para estrangeiros, para estimulá-los a investir nas pousadas e apartamentos de que dependem os campos de golfe modernos. Alguns acreditam que esses aluguéis são a ponta de um iceberg que, com o tempo, trará de volta o direito de propriedade.

Algumas das maiores firmas de construção e arquitetura do mundo estão envolvidas. A Foster + Partners, de Londres, desenvolveu planos para um resort de marinas e golfe no litoral norte de Cuba com três percursos de 18 buracos e 1,5 mil apartamentos. Uma divisão de construção da francesa Bouygues SA iniciou planos para construir uma comunidade de marina e golfe, a Marina Gaviota, na ponta da famosa praia Varadero. Já existe um percurso de 18 buracos em Varadero.

Se a história serve de guia, não vai ser fácil trazer o golfe de volta. "Cuba é o banco de areia do inferno", diz John Kavulich, conselheiro político do Conselho EUA-Cuba de Comércio e Economia, que tem acompanhado os apuros de empreendedores que tentam desenvolver projetos de golfe na ilha.

Pergunte a Walter Berukoff, o magnata dos minérios por trás da Leisure Canada, de Vancouver. Por mais de dez anos, Berukoff tem acalentado um projeto, aprovado pelo governo cubano, de construir coisa de 600 chalés e apartamentos em torno de três campos de golfe e uma marina no litoral norte de Cuba, perto de Havana. Mas por vários motivos, inclusive a exploração de petróleo bem ao lado da propriedade dele, o projeto não saiu do papel.

"Tivemos de interromper o projeto porque ninguém vai construir um projeto milionário se há poços de petróleo na frente", diz Guy Chartier, o representante da Leisure Canada em Havana. Chartier diz que o governo cubano disse a ele que desistiu de encontrar petróleo. "Planejamos tocar a bola para a frente em 2008", diz ele.

Um problema é a falta de uma cultura de golfe em Cuba. Fidel construiu uma máquina estatal de esportes que produziu atletas de fama mundial em box, vôlei, atletismo e beisebol. Mas Castro nunca gostou muito de golfistas, cujo esporte cheirava a dinheiro e imperialismo ianque.

"Esses sujeitos nem sequer pensam em cubano", disse Fidel num discurso em 1960, gozando de membros do Havana Biltmore Yacht & Country Club. Ele confiscou os muito bem cuidados terrenos e os transformou num clube popular.

O golfe é jogado na ilha desde os anos 20. Quando da revolução de 59, Havana tinha dois campos premiados, no Havana Country Club e no Biltmore, que recebeu grandes nomes do esporte como Sam Snead e Arnold Palmer. Um terceiro campo, onde Fidel perdeu para Che Guevara, tinha acabado de ser inaugurado. O magnata Irénée du Pont, dos EUA, tinha um percurso privado de nove buracos em Xanadu, sua lendária propriedade na praia de Varadero.

O famoso jogo entre Fidel e Che Guevara aconteceu logo depois da crise dos mísseis cubanos, segundo José Lorenzo Fuentes, ex-jornalista particular de Fidel, que cobriu o jogo. Lorenzo Fuentes diz que a partida tinha o objetivo de enviar um sinal amistoso para o presidente americano John Kennedy. "Castro me disse que o título da matéria no dia seguinte seria 'Presidente Castro desafia presidente Kennedy para um amistoso de golfe'", diz ele.

Mas o jogo se tornou um evento competitivo entre os dois líderes que não gostavam de perder, diz Lorenzo Fuentes, que se recorda de que Guevara "jogava com muita paixão". Lorenzo Fuentes diz ter percebido que não poderia mentir sobre o resultado do jogo, então ele escreveu uma reportagem dizendo que Fidel tinha perdido. Lorenzo Fuentes diz que perdeu seu emprego no dia seguinte, acabou entrando em conflito com o regime e hoje mora em Miami.

Hoje em dia, só há um percurso de nove buracos na capital, no Havana Golf Club.

O Havana Golf Club, uma relíquia azul e branca da arquitetura de resorts dos anos 40 e 50, tem uma piscina, um bar e uma pequena quadra de boliche. A tarifa de 20 pesos cubanos conversíveis, cerca de US$ 18, por nove buracos é alta demais para cubanos, então o campo é usado principalmente por turistas e diplomatas. Diego Maradona, um admirador de Fidel, joga ali. "Algumas pessoas não deixam você ensinar muito, e ele é um desses", diz um dos carregadores de tacos, ou caddies, do clube.