Título: Aviso aos navegantes
Autor: Camba , Daniele
Fonte: Valor Econômico, 25/02/2008, EU & Investimentos, p. D1

São 10h10 da manhã e ainda faltam 50 minutos para o pregão da Bovespa abrir, mas nas três telas de computador de Fabiano Vila já pipocam vários alertas pelo sistema de mensagens instantâneas (o messenger). Uma investidora diz que leu no jornal sobre a SLC Agrícola e pergunta se deve comprar R$ 5 mil dessas ações ou aumentar as apostas na falecida Telebrás. Já um investidor afirma que tem R$ 1.500 sobrando em sua conta corrente e gostaria de saber em qual papel aplicar. Outro cliente questiona se não seria hora de comprar ações de bancos - "elas já não caíram muito?" -, enquanto um aplicador mais sofisticado insiste em vender seus papéis da Usiminas para fazer uma operação a termo (contrato para negociar um ativo no futuro a um preço determinado) de alguma outra ação. Esse é o dia-a-dia de Vila, gerente de investimentos da E.UM Investimentos, braço de negociação eletrônica de ações para pessoa física da corretora Umuarama. Uma rotina que ficou ainda mais tumultuada com a crise americana nos últimos meses.

A reportagem do Valor acompanhou Vila durante uma manhã inteira, das 10h às 14h. E o que chamou a atenção foi que o telefone dele tocou apenas cinco vezes, algo impensável antes da grande informatização da bolsa e do sistema de negociação via internet, o home broker. A situação é bem diferente em seu messenger. Às 10h10, por exemplo, ele já conversava eletronicamente com 15 clientes, sem contar que havia 15 a 20 outros à espera de respostas. Vila tem 821 pessoas cadastradas em seu sistema de mensagens e apenas quatro ou cinco são contatos pessoais. "Costumo falar simultaneamente com até 50 clientes", diz, ao mesmo tempo em que responde a um desses investidores que acaba de pedir uma previsão de como será o pregão naquele dia.

Vila lembra que no dia da estréia das ações da BM&F chegou a falar, num curto espaço de tempo, com mais de cem pessoas, que estavam aflitas com a pane na Bovespa causada exatamente pelo enorme fluxo de ofertas para o papel. Esse atendimento eletrônico não poderia ser mais democrático. "Troco mensagens diariamente com clientes que têm R$ 300 assim como falo com aqueles que possuem R$ 5 milhões", afirma.

O trabalho foi dobrado nesses últimos meses com a piora do mercado, conseqüência da deterioração internacional. "Os investidores de primeira viagem se assustaram muito com a crise e queriam vender as ações a qualquer preço", diz Vila. "Com muita paciência, conseguimos convencer boa parte deles de que valia mais a pena proteger as carteiras de quedas maiores do que se desfazer dos papéis na bacia das almas", diz Vila. Essa proteção nada mais é do que vender opções de compra (assumir o compromisso de vender uma ação a um determinado preço, em uma determinada data) das ações em carteira para travar as perdas. Se o papel cair, o investidor não será exercido, ou seja, ele fica com as ações e ainda com o prêmio da opção. Se o papel subir e ele for obrigado a vender, vende pelo preço definido na opção e fica com o prêmio.

No caso dos papéis que não possuem opções, a alternativa foi fazer o mesmo tipo de operação, só que com opções sobre o Índice Bovespa futuro. É um instrumento menos comum, já que os clientes iniciantes têm mais dificuldade de entender o funcionamento dessa forma de proteção, lembra o gerente.

O sócio da E.UM Investimentos Marcello Giancoli se orgulha de ter conseguido convencer a maioria dos clientes que se desesperou com a queda do mercado a proteger suas ações, em vez de vendê-las a torto e a direito. E olhe que são cerca de 1.600 clientes ativos, que operaram pelo menos uma vez nos últimos três meses. "O perfil de cliente mudou muito nos últimos anos, as pessoas físicas são hoje muito mais bem informadas sobre o mercado, o que facilita pois elas entendem as nossas recomendações", diz Giancoli.

O analista de sistemas Henrique Machado é um deles. Depois de ver a bolsa subir por cinco anos seguidos, Machado tomou coragem e, no dia 13 de agosto do ano passado, aplicou parte de suas economias em ações de primeira linha como Vale, Petrobras e Gerdau. O momento não poderia ter sido pior: três dias depois, em 16 de agosto, o Ibovespa chegou a cair mais de 9% durante o pregão, com os temores de que a economia americana entraria em recessão.

"Me desesperei ao ver que em 72 horas tinha perdido 10% do capital que apliquei, pensei em vender todas as minhas ações", relembra Machado. Mas, depois de achar que já não tinha mais muito a perder, resolveu seguir os conselhos de Vila e proteger a carteira de quedas ainda maiores por meio de opções. "Se tivesse saído, poderia amargar perdas de mais de 20%, enquanto que dois meses depois, em outubro, o prejuízo já tinha se revertido em 20% de lucro, diz ele.

As quedas de agosto deixaram Machado mais preparado para agir na última piora do mercado, no mês passado. "Quando vi caindo muito novamente achei que era a hora certa de aplicar mais nas ações de empresas como Vale e Petrobras, que possuem bons fundamentos e, por isso, vão conseguir sair dessa crise", diz o analista de sistemas. Ele reconhece que, por mais que se esforce, não consegue mais deixar de acompanhar o mercado diariamente. "Isso é como um vício, difícil de largar", diz Machado, que dá uma olhada na abertura das bolsas asiáticas antes de dormir. Ao acordar, observa os mercados europeus, vai para o trabalho e espera a abertura da Bovespa. Na hora do almoço, entre uma garfada e outra, verifica os primeiros negócios em Nova York pelo celular.

O aumento das pessoas físicas na bolsa ocorreu no mesmo momento em que o mercado se sofisticou, com o fim do pregão físico na Bovespa e o início das negociações pelo home broker. Os investidores deixaram de ligar para as corretoras pedindo para os operadores comprarem ou venderem ações e agora negociam direto de seus computadores. "Os nossos telefones hoje em dia tocam muito menos, os investidores agora só ligam quando querem fazer uma operação mais sofisticada ou para tirar uma dúvida bem específica sobre algo", diz Vila. "Conversamos com os clientes mais por e-mail mesmo ou messenger para falar sobre o mercado e quais as nossas recomendações, mas, no final, eles que fazem seus próprios negócios", lembra o gerente.

Esse novo perfil de investidores mais independentes, donos do seu próprio nariz, é que levou uma boa parte deles a cuidar sozinhos do seu patrimônio. Depois de investir em um fundo de ações da Vale, o economista Ricardo Luiz Cremer resolveu, em setembro último, montar a sua própria carteira de ações. "Percebi que sozinho poderia diversificar mais, aplicando em vários papéis, e monitorar os custos de corretagem, que podem ser menores do que a taxa de administração de um fundo de varejo", diz Cremer. Assim como Machado, ele respirou fundo e protegeu sua carteira com opções, e não se arrepende, pois conseguiu perder muito menos do que se tivesse vendido na hora que bateu o desespero. Essa virada permitiu que Cremer ficasse mais otimista. "O Fed (Federal Reserve, o banco central americano) não vai deixar a situação correr solta e virar uma bola de neve."