Título: Economistas descartam riscos de superaquecimento
Autor: Vera Saavedra Durão
Fonte: Valor Econômico, 04/02/2005, Brasil, p. A4

Economistas ouvidos pelo Valor não vêem risco de superaquecimento na economia brasileira nos próximos meses, conforme temores manifestados pela autoridade monetária na última ata do Comitê de Política Monetária (Copom). A maioria critica a política de juros do Banco Central, considerada uma trava ao crescimento, como sustenta Flávio Castelo Branco, da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e João Sicsú, da UFRJ. Mas Aloísio Campelo, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV, reconhece que o país esteve à beira de um quadro de superaquecimento no último trimestre do ano -conforme indicavam dados da sondagem da indústria de outubro, na pesquisa do Ibre - , revertido em janeiro, em boa parte por causa da alta dos juros. "A sondagem da indústria de transformação de outubro revelou problemas de produção de grandes empresas por escassez de matéria-prima, aliada a uma situação de estoques insuficientes em boa parte das fábricas e a um elevado nível de utilização da capacidade instalada", disse. Segundo ele, a sondagem de janeiro atenuou essa expectativa, apurando um aumento forte da parcela de empresas com estoques excessivos. O economista Flávio Castelo Branco admitiu também que não descartava o fenômeno entre a virada do terceiro para o quarto trimestre do ano. "Mas não houve o esperado estrangulamento da oferta", analisou. Para ele, o país correria este risco se tivesse uma bolha de consumo na economia, mas a demanda doméstica tem crescido de forma gradual depois de três anos no aperto. "Mas todas as informações que tenho recebido do comportamento do investimento fixo, seja das contas nacionais do IBGE, seja da indústria de bens de capital, indicam que este ciclo é positivo. O Copom tem medo de ver o país crescer." Nelson Rocha Augusto, presidente da BBDTVM, aposta que, neste ano, o PIB vai crescer entre 4% a 4,5%, sustentado em boa parte por investimento público e privado. "Acredito que este ano vamos chegar a uma participação do investimento de 23% no PIB", diz. No seu entender, vários fatores estão contribuindo para isto, como a oferta de crédito, que poderá expandir até 35%, incluído títulos, gerando funding para tocar projetos de investimento do setor privado, aliado a uma expansão do investimento público, PPPs e crescimento da construção civil. Augusto não vê riscos de uma explosão do crescimento por conta da expansão do crédito ou do investimento ou mesmo da renda. "Não tem risco, pois se chegarmos a uma oferta de 35% do PIB estamos ainda muito longe dos 70% do PIB do vizinho Chile". Para o presidente da BBDTVM, o aumento do crédito consignado em folha ou para aposentados não entra em choque com a política monetária que "não é contracionista". O Banco Central, na sua ótica, aumenta o juro para monitorar a inflação e orientar o crescimento, procurando evitar justamente fenômenos como o superaquecimento. João Sicsú, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, acha inviável qualquer expectativa de um quadro de superaquecimento econômico no Brasil "com juro nas alturas e o dólar despencando". Mas, ele, ao contrário da análise de Augusto, chamou a atenção para uma descoordenação na política econômica, que é o aumento da oferta de crédito para rendas mais baixas pela opção do desconto em folha que poderá esquentar o consumo. "Esta medida vai de encontro às políticas monetária e fiscal contracionistas, que vão acabar sendo estimuladas mais fortemente para reduzir o impacto desse afrouxamento no crédito." Estevão Kopschitz, do Ipea, compartilha da mesma opinião, e chega até a temer que este aumento do consumo possa levar a economia a crescer mais do que o Banco Central gostaria, com a inflação subindo por conta de demanda aquecida. "Este cenário é possível."