Título: Conselhos buscam a experiência dos aposentados
Autor: Giardino , Andrea
Fonte: Valor Econômico, 25/02/2008, EU & Carreira, p. D6

Charles Holland, 65 anos, ao aposentar-se da Ernst & Young tornou-se conselheiro de várias empresas A profissionalização dos conselhos de administração está abrindo um novo mercado potencial para profissionais do alto escalão, que vivem uma importante ruptura em suas vidas: a aposentadoria. Atrás da experiência de quem esteve na linha de frente de importantes grupos, muitas empresas que fizeram IPO (sigla em inglês para oferta pública de ações) começaram a buscar gente de fora para criar estruturas mais transparentes.

É o caso de Maurizio Mauro, 58 anos. Logo que saiu da presidência-executiva do grupo Abril, em março de 2006, ele decidiu colocar em prática um antigo sonho: tornar-se professor de pós-graduação. Naquele momento, deixava para trás uma carreira de sucesso no mundo corporativo - Mauro também comandou o escritório local da consultoria Booz Allen Hamilton e o banco Noroeste - e partia para vôo solo. Mas no meio do caminho se deparou com a oportunidade de integrar conselhos.

"As próprias regras da Bovespa exigem das companhias abertas que fazem parte do Novo Mercado um número maior de conselheiros independentes", explica Heloisa Bedicks, secretária-geral do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Quem está no Novo Mercado ou se encaixa no nível 2 de governança corporativa precisa ter, no mínimo, 20% do quadro composto por conselheiros independentes.

Uma grande evolução se compararmos com o cenário de dez anos atrás, onde os integrantes eram escolhidos apenas por meio de indicação dos presidentes ou acionistas majoritários. Só em 2007, 89 empresas entraram para o Novo Mercado e 20 foram classificadas no nível 2. "O que resulta em um total de 1 mil conselheiros independentes atualmente", destaca Heloisa.

"Recebemos inúmeras visitas de presidentes e diretores que pretendem se aposentar para saber como devem fazer para se tornar conselheiros no pós-carreira", revela. Procura que aumentou bastante nos últimos três anos, segundo Heloisa. O IBGC conta, inclusive, com um banco de nomes de profissionais que buscam posições no "board" de empresas.

Flávio Kominsky, sócio da Korn/Ferry, uma das maiores consultorias de recrutamento de executivos, ressalta que o número elevado de IPOs registrados em 2007 vem refletindo na demanda por conselheiros. "A busca é por profissionais com capacidade de agregar valor ao negócio", afirma. "Mas engana-se quem pensa que é uma função para qualquer um. Eles possuem responsabilidades de representar os acionistas e podem ter problemas se não cumprirem com as exigências. Ou seja, o bônus vem junto com o ônus".

Mauro, que também tem uma consultoria própria, já atuou em seis conselhos. Atualmente, está em três. Na Tecnisa e na Atmosfera, integra o de administração, enquanto no banco IBI, faz parte do conselho consultivo. "As empresas precisam de bons ex-executivos e já há uma escassez de gente com perfil desejado, que conheça diferentes mercados", observa. Na Tecnisa, por exemplo, foi chamado meses antes da companhia abrir capital. "Pude dar minha contribuição sobre qual seria o melhor caminho".

Na sua opinião, a atividade em conselhos exige responsabilidades que até então não eram pesadas na balança. "E só quem já teve experiência no comando de empresas consegue dar um visão ampla ao negócio", diz. Por esta razão, ex-executivos com mais de 55 anos começam a ser vistos como peça-chave em conselhos. "Não gosto nem de falar que é uma alternativa para quem está se aposentando", avalia.

A figura do aposentado, ressalta Mauro, é ruim, porque dá a impressão de que tudo que ele faz é apenas um passatempo. "Mesmo porque não significa que ele vai parar. Ainda há muita energia". Capital intelectual que deixou de ser desprezado pelo mercado e passa a ser valorizado em algumas empresas.

Quando saiu de cena, Charles Holland, 65 anos, já sabia que destino daria a sua vida na fase pós-carreira. Ao se aposentar pela Ernst & Young, como sócio, no final de 2001, teve a oportunidade de conhecer uma entidade que presta serviços a donos de companhias e presidentes em tempo integral. Foi quando decidiu trabalhar como consultor, reunindo executivos de companhias diferentes, uma vez por mês, para discutir assuntos como profissionalização de empresas familiares e promover a troca de informações entre profissionais de empresas abertas e fechadas, que não possuem conselhos formados.

Convívio que o levou a ocupar cadeiras em vários conselhos de administração como Totvs, Gol e Net. "Acabei realizando um sonho antigo, traçado há 20 anos, quando comecei na carreira de auditor", lembra. "Sempre soube que iria para um conselho quando me aposentasse". Muito embora abomine a idéia de se considerar um aposentado e ser associado àquela figura do profissional que vai ficar de chinelo em casa.

"Mesmo porque hoje trabalho cerca de duas mil horas por mês, pouco menos do que a carga que mantinha na Ernst & Young", diz. Holland acredita ser essa uma opção interessante para quem sai do mundo executivo, muito embora defenda a permanência do profissional em atividades que o façam se manter atualizado. "As empresas precisam de gente com cabelo branco que circule no mercado com o mesmo dinamismo".