Título: A mutante Nokia vai focar sua atuação em internet
Autor: Moreira , Talita
Fonte: Valor Econômico, 25/02/2008, Empresas, p. B3

Mary McDowell, da Nokia: consumidor quer mais do que ligações telefônicas Para quem já transformou madeira em papel, borracha em pneu, cobre em cabos elétricos e circuitos em telefones, encarar uma nova mudança de rumo talvez não seja mesmo impossível.

Mudar está no DNA da Nokia, a companhia finlandesa que surgiu no século XIX produzindo papel às margens do rio Nokianvirta, tornou-se o maior fabricante de celulares do mundo e, agora, coloca em prática a estratégia de se tornar uma empresa de internet.

A transição começou a ser delineada nos últimos meses de 2007, mas ganhou contornos mais nítidos neste mês, quando a empresa apresentou uma série de lançamentos e projetos durante o Mobile World Congress, em Barcelona.

A manobra coloca a Nokia em rota de competição com empresas como Apple e Google - queridinhas da chamada web 2.0, na qual o usuário interage com o conteúdo - e até mesmo com as operadoras de celular que compram seus aparelhos.

Um exemplo? A empresa anunciou, na segunda metade do ano passado, a criação de uma loja virtual de músicas que irá concorrer com o iTunes, da Apple. O serviço já está no ar no Reino Unido e será estendido até junho a outros países europeus. Paralelamente, também apoiou a América Móvil - dona da Claro - no lançamento de sua própria loja de músicas, com o acervo do site brasileiro iMúsica.

A Nokia também está investindo em softwares de localização. Em outubro, empenhou nada menos do que US$ 8,1 bilhões na compra da Navteq, uma empresa especializada na tecnologia. Em Barcelona, apresentou celulares equipados com uma nova versão de seu programa de mapas - inclusive um modelo que oferece localização para pedestres. Em outra frente, está trabalhando num portal, para ser acessado do celular ou do computador, que funcione como um organizador de mídias pessoais, como fotos, músicas e vídeos.

O curioso é que essa guinada acontece num momento em que a Nokia surfa tranqüila na liderança do mercado mundial de telefones móveis e assiste à sua maior concorrente histórica, a Motorola, debater-se numa crise profunda. Mas Mary McDowell, o nome forte por trás da nova transformação da Nokia, afirma que a hora não poderia ser mais oportuna. "Tivemos um 2007 forte. E o melhor momento para pensar sobre alguma coisa nova é quando você está forte", afirma a vice-presidente de desenvolvimento da empresa, numa entrevista ao Valor.

A Nokia terminou 2007 com participação de 40% no mercado de aparelhos de celular, seguida pela Samsung, que ficou com 14% e deixou para trás a Motorola. A empresa com sede em Espoo, na Finlândia, viu seu lucro líquido crescer 67% no ano passado, para ? 7,2 bilhões de euros. A receita avançou 24% e ficou em ? 51,1 bilhões de euros. E aí é que está o X da questão. Mesmo sendo a maior do mundo em aparelhos móveis, a Nokia viu seu faturamento com esses produtos aumentar mísero 1%. Enquanto isso, a receita com a área de serviços corporativos dobrou e as vendas de serviços multimídia - onde se encontram os negócios de internet - avançaram 34%.

Isso não significa que a empresa esteja deixando de lado a produção de aparelhos - ao menos, não por enquanto. "Vamos manter e lutar para aumentar nossa participação no mercado", diz Mary.

Para refletir a nova realidade, a Nokia implementou uma reestruturação de suas unidades de negócio na virada deste ano. No lugar da divisão em telefones celulares, multimídia e soluções corporativa, entraram em cena as áreas de aparelhos, serviços e software e mercados. Outra alteração perceptível é que os executivos da companhia evitam, agora, a expressão "telefone celular". Em vez dela, preferem dizer apenas "aparelho" ou "aparelho de computação" mesmo quando a idéia é se referir aos terminais voltados para o consumidor pessoa física.

"Alguns anos atrás, as pessoas compravam celulares com base no design", observa Mary. "Vemos que o mercado está mudando." Na avaliação dela, o sucesso do iPhone é uma prova disso. Embora o celular da Apple tenha um design atraente, seu grande diferencial é proporcionar uma fácil utilização dos recursos multimídia do aparelho.

Segundo a executiva, não é de hoje que a empresa percebe essa mudança no comportamento dos consumidores. Mesmo assim, o enredo não saiu exatamente como se previa. "Já tínhamos a sensação de que as pessoas iriam querer mais do que ligações telefônicas. Mas a internet móvel foi uma boa surpresa." A incipiente internet móvel - que está crescendo com a chegada das redes de terceira geração (3G) - começa a alterar o modelo de negócios que até agora caracterizou a telefonia móvel. Nele, havia funções muito definidas para operadoras, fabricantes de aparelhos e fornecedores de conteúdo. Agora, todo mundo quer garantir para si um pedaço de um bolo que ainda nem saiu do forno, mas já tem sabor de dinheiro farto.

Neste momento em que os papéis de cada um se embaralham, a Nokia tem se apoiado em um modelo que prevê, em alguns casos, o compartilhamento de receitas com seus principais clientes: as operadoras. No caso da loja de músicas da América Móvil, funciona assim o contrato entre elas. Para Mary, a divisão de receitas entre fabricantes e operadoras - algo impensável até pouco tempo atrás - é o "reconhecimento de que eles precisam andar juntos". A executiva pondera, no entanto, que o modelo de negócios da internet móvel ainda está sendo construído e não existe ainda uma fórmula óbvia.

O Brasil, um dos principais mercados de telefonia móvel do mundo, está incluído na estratégia da Nokia, embora a transição da empresa esteja se fazendo mais visível, inicialmente, nos países europeus. Segundo a vice-presidente de desenvolvimento, até a metade do ano a companhia lançará no mercado brasileiro sua loja de videogames. No segundo semestre, será a vez da loja de músicas.

Em outra frente, a empresa está desenvolvendo um aparelho de baixo custo com acesso à internet para atingir consumidores em países como Brasil, Índia e China, onde boa parte da população tem pouco dinheiro para gastar. A versão mais barata dos telefones da Nokia custa US$ 40 e não oferece conexão com a web. O novo modelo ainda não tem data para chegar ao mercado.

Por trás do interesse em alcançar todo tipo de consumidor, está a aposta no papel central que a mobilidade terá ganhará na vida das pessoas. "Será a forma pela qual você administrará sua vida", afirma a executiva. Apesar dessa fé quase cega no caminho que a empresa deverá trilhar num futuro bem próximo, ela não arrisca um palpite sobre a cara que terá a Nokia daqui a uma década. Numa companhia que não pára de mudar, a resposta talvez não pudesse mesmo ser outra: "Você nunca está pronto em tecnologia", diz.