Título: O radicalismo de Chávez chega à política do petróleo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 04/02/2005, Internacional, p. A8

Hugo Chávez comemorou ontem seis anos no poder entusiasmado com seu próprio lema de governo - "Mais seis anos, se Deus quiser", disse a um punhado de adeptos reunidos em frente ao palácio Miraflores. A providência humana, porém, deve dar mais um mandato ao ex-paraquedista, que fez da retórica antiamericana o mote de uma gestão populista e autoritária. Por palavras e atos, Chávez está buscando o rompimento com os EUA, o que é previsível. Encantado consigo próprio, porém, está dando uma guinada que pode trazer novas e sombrias consequências para a Venezuela. A política costuma ser má conselheira comercial, e o líder venezuelano está se lançando em uma estabanada tentativa de livrar-se da dependência americana de suas vendas de petróleo que pode arruinar a única fonte de sustentação do Estado. Para quem enfrentou um golpe de Estado e correu o risco de um referendo que mostrou uma forte insatisfação contra seu governo, Chávez tem mostrado um radicalismo temerário. Em vez de um novo diálogo com parcelas da oposição, sucedeu-se uma ofensiva em regra para fechar os caminhos democráticos que possam lhe causar problemas. Uma lei que torna praticamente proibidas as manifestações de oposição, e que fere a liberdade de imprensa, foi aprovada recentemente. Quase ao mesmo tempo, o governo se empenhou em lances espetaculares para iniciar uma "revolução agrária" sem alvo determinado, fora dividendos políticos. Nove em cada dez venezuelanos vivem nas cidades e o Estado é o maior proprietário de terras do país. Chávez também ampliou a Suprema Corte de forma a ter maioria nela e investe com alguma rapidez para instituir um regime democrático de fachada. Chávez está correndo riscos à toa, já que a oposição ao seu governo fez todo o possível para se dividir e desmoralizar. A ascensão de Chávez só foi possível pela estreiteza política e corrupção das elites tradicionais, que se alternaram no poder durante décadas e foram incapazes de executar um projeto de desenvolvimento inclusivo. Apeadas do poder pelo populismo chavista, os grupos dominantes tentaram um desastrado golpe de Estado, fracassado devido ao forte apoio, das massas e de parte dos militares, a Chávez. O referendo convocado pela oposição mostrou claramente que ele tem enorme popularidade junto aos pobres, que acreditam que nada de bom têm a esperar das tradicionais forças políticas do país. O líder venezuelano, porém, pode estar prestes a dar um tiro em seu próprio pé ao não medir a consequência de seus atos. O petróleo é a única riqueza que sustenta a Venezuela, o quinto maior produtor mundial. Apenas a arrecadação de impostos da estatal petrolífera PDVSA corresponde a 30% das receitas do Estado. O drama venezuelano é não ter conseguido se livrar de sua extrema dependência do combustível e diversificado sua base industrial com as receitas do óleo. Com o atual preço nas alturas, Chávez tampouco vem sendo capaz de enfrentar esse desafio e boa parte dos recursos tem ido para programas sociais - alguns importantes, outros puramente demagógicos. Agora ele quer reduzir ao máximo as vendas ao maior consumidor mundial, os EUA, e desmontar um império feito em solo americano pela PDVSA para não "subsidiar Bush". A diversificação de mercados é uma política prudente, se feita com calma e perseverança. Chávez tem pressa e quer vender as oito refinarias da Citgo, uma subsidiária da PDVSA que detém 15% do refino dos EUA, fatura US$ 25 bilhões e é a quinta maior produtora de gasolina americana. Na visão de Chávez, a empresa "não dá um centavo de lucro". Essa estratégia míope pode lhe render dividendos imediatos - avalia-se a Citgo em US$ 10 bilhões - mas destruir as bases permanentes em que se apóia a exportação de petróleo. Há graves problemas logísticos em deslocar as vendas para a China, que tendem a tirar lucratividade das operações - a falta de acesso ao Pacífico é apenas um deles . Com a desmontagem da PDVSA, ela já vem perdendo rentabilidade, depois que 18 mil funcionários foram demitidos após uma greve Com a potencial destruição de parte do mais valioso patrimônio do país por um lado, e a oposição igualmente míope dos EUA de outro, Chávez pode estar pavimentando o caminho para o colapso de instituições já fragilizadas por seu aventureirismo. Ele está deixando pouca margem de manobra para o jogo democrático, o que no continente tem sido uma receita certa para golpes de Estado. Um provável encolhimento dos recursos advindos do petróleo pode tornar essa ruinosa perspectiva bem mais próxima.