Título: A nova pane do setor elétrico
Autor: Goldemerg, José
Fonte: Correio Braziliense, 09/02/2011, Opinião, p. 17

Acidentes acontecem, às vezes por motivos triviais, mas podem ter consequências trágicas, como se pôde ver com o avião da Air France que caiu no Oceano Atlântico provocando a morte de mais de 200 passageiros. Ao que parece, o medidor de altitude que custa menos de R$ 100 apresentou defeito e desorientou o piloto automático da aeronave, provocando a queda. Manutenção preventiva provavelmente teria detectado o problema a tempo e evitado o trágico acidente.

Tudo indica que algo semelhante esteja ocorrendo com o setor elétrico brasileiro. Pequenos problemas que não são detectados a tempo provocam grandes perturbações que afetam dezenas de milhões de pessoas e causam grandes prejuízos.

Em novembro de 2009 o Sudeste ficou às escuras durante longas horas devido a defeito nos linhões de Itaipu que ¿derrubaram¿ todo o sistema. Uma extensa investigação do Operador Nacional do Sistema (ONS) descobriu a causa: um isolante de alta tensão rachado que deveria ter sido substituído havia muito tempo. Os sistemas de proteção que deveriam ter desligado o resto do conjunto não funcionaram direito, provocando o desastre. Aparentemente disjuntores, que não custam muito, falharam também. O ONS multou Furnas, responsável pelos linhões de Itaipu, em mais de R$ 50 milhões.

Eis que o problema se repete no Nordeste. Um defeito numa subestação em Pernambuco, que deveria ser trivial, ¿derruba¿ todo o sistema, o que indica que falta proteção para isolar a área problemática.

Quando uma árvore cai sobre uma linha de transmissão numa cidade como Rio ou São Paulo, o que ocorre frequentemente em dias de tempestades, os sistemas de proteção desligam o fornecimento de energia daquele bairro e não da cidade toda. Quando ocorre um curto-circuito num apartamento, os fusíveis (ou disjuntores) desligam a energia no apartamento, para evitar mal maior, mas não desligam o prédio todo.

É difícil entender porque o mesmo não está ocorrendo com um sistema mais sofisticado como o de transmissão interligado do país, que deveria ter muitas proteções.

Como no caso do ¿apagão¿ de novembro de 2009, o que se verificou no atual ¿ até o momento ¿ é que não houve um único problema, como um isolador ou uma cartela defeituosa, mas vários problemas simultâneos: um ¿cartão¿ que falhou ou um ¿relay¿ que não abriu, como se desprende das explicações dos responsáveis pelo sistema, derrubando várias linhas de transmissão. Isso é o que ocorre de fato quando os sistemas de emergência de hospitais (em geral, motores diesel) não entram automaticamente em funcionamento na falta energia elétrica. Foi o que ocorreu agora em um hospital de Natal: dos quatro geradores, apenas um funcionou. O diagnóstico é claro: falta de manutenção; como deve ter ocorrido no sistema de transmissão do Nordeste.

A reação do ministro Edison Lobão, de Minas e Energia, diante do ocorrido, foi claramente pouco profissional: em primeiro lugar, inventou a expressão ¿interrupção temporária de fornecimento¿, em lugar de ¿apagão¿, como se semântica fosse a solução. Com isso, politizou o problema: ¿apagão¿ só vale para outros governos, não para o atual. Em segundo lugar, o ministro se cobriu de ridículo ao dizer que ¿não há no mundo sistema mais moderno que o brasileiro¿, parafraseando as declarações bombásticas do ex-presidente da Republica, que era useiro e vezeiro desse tipo de linguagem.

Se de fato o sistema fosse tão ¿moderno¿ como o ministro apregoa, os problemas não deveriam ocorrer. Como estão ocorrendo, conclui-se que não está sendo operado corretamente.

A reação de profissionais a tais ocorrências seria a de enfrentar o problema com humildade e melhorar o trabalho cotidiano de manutenção para prevenir novos incidentes.

É notório, contudo, no setor elétrico, que manutenção preventiva não tem a prioridade de novas obras que se prestam a grandes contratos e inaugurações. Essa filosofia deformada decorre da ¿politização¿ do setor, com loteamento de cargos e diretorias, como se vê diariamente na imprensa, mais recentemente em Furnas. O setor elétrico, como os outros que oferecem serviços básicos à população, como água e saneamento, precisam adotar uma filosofia diferente e serem protegidos dessas interferências.