Título: Hillary e Obama divergem sobre a diplomacia presidencial dos EUA
Autor: Seib , Gerald F.
Fonte: Valor Econômico, 26/02/2008, Internacional, p. A13

A senadora americana Hillary Clinton está se esforçando muito para marcar as diferenças entre ela e seu rival na disputa pela candidatura do Partido Democrata à Presidência dos Estados Unidos, o senador Barack Obama. Às vezes, o exagero fica claro, mas ontem ela tocou numa diferença real que tem importância: como os EUA devem lidar com seus inimigos num mundo pós-George Bush. A diferença entre os dois não é enorme, mas é enormemente importante.

A diferença - que reflete tanto um pensamento tático quanto uma mentalidade geral - se refere a como e quando um presidente americano deve se engajar diretamente em conversas com os inimigos dos EUA.

A divisão apareceu logo no começo da campanha, quando Obama disse que estaria disposto a se encontrar pessoalmente com os líderes do Irã, Coréia do Norte e Síria, e Hillary disse que não estaria. E surgiu novamente na semana passada, quando Obama disse que teria um encontro "sem precondições" para conversar com o novo presidente de Cuba, Raúl Castro. Hillary disse que não teria.

Numa importante palestra ontem na Universidade George Washington, na capital americana, ela ampliou a diferença: "Se a mim for confiada a Presidência", disse, "os Estados Unidos terão novamente a coragem de se reunir com nossos adversários. Mas eu não marcarei encontros com os líderes do Irã ou da Coréia do Norte ou da Venezuela ou de Cuba na agenda presidencial sem precondições até que tenhamos avaliado por escalões diplomáticos inferiores os motivos e as intenções desses ditadores."

Como tema político, tanto as idéias de Hillary quanto as de Obama estão sujeitas a ataques. A posição de Hillary está sujeita a ataques da esquerda, que a pode considerar exageradamente cautelosa e tímida demais no rompimento das tendências do governo Bush. A posição defendida por Obama está sujeita a ataques da direita, que a consideraria inocente e indiferente à necessidade de proteger e conduzir com cuidado os poderes da Presidência.

Como um tema prático, a história americana do envolvimento presidencial na diplomacia pessoal é um tanto desigual. Jimmy Carter usou a intervenção pessoal para forjar os acordos de paz de Camp David entre Egito e Israel, e Bill Clinton para concluir o acordo de Wye River entre Israel e o líder palestino Iasser Arafat (embora esse acordo tenha logo malogrado). O presidente George Bush, pai, usou a diplomacia pessoal para costurar a reunificação pacífica da Alemanha, um dos eventos mais importantes do século passado.

Mas os presidentes tanto podem caminhar num terreno minado quanto ganhar o Prêmio Nobel da Paz. Numa reunião de cúpula em Reykjavik, na Islândia, Ronald Reagan se perdeu numa discussão com o então líder soviético Mikhail Gorbachev sobre a eliminação de todas as armas nucleares, uma aventura mal preparada e mal assessorada que irritou aliados americanos e foi seguida pelo colapso das negociações e a meia-volta dos dois lados por medo de outros fracassos.

Assim, a questão de qual diplomacia presidencial consegue realizar mais, e como, é uma questão muito real e muito aberta.

A abordagem de Obama sem dúvida alguma é resultado da visão no Partido Democrata segundo a os anos Bush foram marcados por uma aversão ao engajamento diplomático, o que, entre outras coisas, permitiu o aumento da ameaça nuclear da Coréia do Sul e levou os EUA a perderem uma possibilidade de engajamento com o Irã antes de o presidente Mahmoud Ahmadinejad, de um estilo marcadamente agressivo, assumir o poder.

A questão que Obama suscita, na prática, é a das oportunidades perdidas: quanta coisa boa poderia ter acontecido, e quantas crises evitadas, se os EUA não estivessem tão temerosos de um cara-a-cara com seus inimigos?

Mas a crítica mais comum da política externa de Bush não é que ela não tenha conseguido engajar os inimigos dos EUA, mas que ela não conseguiu engajar adequadamente os seus aliados. Tentativas anteriores e mais enfáticas de chegar aos aliados podiam ter gerado mais ajuda para a ocupação do Iraque e uma frente mais unida para lidar com o programa nuclear do Irã.

A visão de Hillary tende para o mais tradicional: o prestígio de um presidente em si mesmo é uma força poderosa a ser usada com parcimônia, porque seu poder diminui quanto mais ela é usada.

Além disso, o engajamento presidencial dá respeitabilidade aos que são engajados, e por isso é tanto uma recompensa a ser oferecida quanto uma ferramenta a ser utilizada. Hillary argumentou exatamente isso ontem: "Nós simplesmente não podemos legitimar regimes párias ou enfraquecer o prestígio americano pela aceitação impulsiva de negociações de nível presidencial que não têm precondições."

Além disso, segundo essa visão, as conseqüências negativas de um fracasso diplomático são muito piores quando o presidente está envolvido: um presidente, uma vez engajado, pode ser tentado a fazer concessões pouco inteligentes para conseguir resultados e evitar que um fracasso leve o líder americano a perder presença e prestígio.

A conseqüência negativa da visão de Hillary, é claro, resta em sua própria cautela - sua relutância em expandir as fronteiras da diplomacia americana num mundo em transformação.

Mas na verdade esse debate é mais interessante pelo que diz sobre as diferenças profundas entre os próprios candidatos.

Hillary se vê como uma líder experiente, que capta o sentido e o uso do poder americano. Obama obviamente se vê mais como um cidadão do mundo, graças a sua origem como filho de um pai africano e uma mãe americana que passou seus anos de formação na Indonésia. Ele próprio disse isso quando descreveu sua visão de política externa durante uma palestra em Iowa, em dezembro: "É uma visão informada pelo saber o que é viver no mundo como um todo, além das paredes do poder..."

Campanhas políticas servem para definir escolhas e essa está entrando num foco mais claro.