Título: Na queda do juro, o ajuste do câmbio
Autor: Abram Szajman
Fonte: Valor Econômico, 04/02/2005, Opinião, p. A8

Os bons resultados do regime de câmbio flutuante adotado no Brasil desde janeiro de 1999 são suficientes para que o Banco Central esqueça atitudes paradoxais que tomou na execução da política cambial em 2004 e faça do instrumento um indutor eficaz do desenvolvimento. Esse argumento é válido, principalmente, quando considerada a capacitação do país para se ajustar sem traumas aos choques internacionais, e chegar ao efetivo equilíbrio do balanço de pagamentos via superávits comerciais recordes. Repetir o que foi feito no ano passado, e está ocorrendo neste início de 2005, com insistentes e pródigas incursões da autoridade monetária ao mercado para segurar o preço do dólar em relação ao real, contradiz a essência do regime cambial adotado - e que tem dado certo. Além do mais, é inócuo, pois se a taxa de câmbio é flutuante, ela irá oscilar, para cima ou para baixo, ao sabor de fatores reais, irreais e, até mesmo, imaginários, independente do tamanho do caixa do BC. A política monetária, que em 2004 apreciou o câmbio, poderá, se o gestor da economia assim o desejar, ser o ponto de equilíbrio da taxa de câmbio. Para atingir esse objetivo não é necessário cartola de mágico. Basta que a política monetária passe a dar prioridade à diminuição dos juros. A simples indicação de uma política de juros baixos é suficiente para conter a inflação - mediante a diminuição da dívida pública --, manter as exportações, estimular o investimento e o consumo, ou seja, o desenvolvimento. As metas buscadas pelo Banco Central - o controle da inflação e a preservação da taxa de câmbio - seriam conquistadas sem o risco de que um real muito forte comprometesse, a médio prazo, o superávit da balança comercial e deteriorasse as boas condições para a manutenção de um saudável fluxo de capital externo. O real valorizou-se rapidamente, e bastante, em relação ao dólar, no ano passado. Descontada a inflação, a valorização foi da ordem de 20%. É verdade que a moeda americana perdeu valor também em relação à maioria das moedas expressivas do mercado financeiro internacional - e sempre em termos reais, isto é, descontada a respectiva inflação de cada país considerado. Mas o real se valorizou frente a todas as moedas importantes. Os mecanismos econômicos fundamentais da taxa de câmbio flutuante explicam parte desse movimento: com o superávit recorde de 2004, cresceu a oferta de moeda estrangeira, abrindo espaço para a valorização da brasileira. Depois, o risco Brasil foi sendo reduzido ao longo do ano, chegando a baixas recordes, e isso não foi acompanhado pelas taxas de juros internas. Com mais moeda estrangeira à disposição, menor risco soberano, taxa de juros internacional baixa e taxa de juros interna crescente no final de 2004, o real só poderia mesmo se valorizar.

A política monetária poderá, se o gestor da economia o desejar, ser o ponto de equilíbrio da taxa de câmbio

Daí, algumas questões que certamente incomodam a autoridade monetária, mas para as quais ela ainda não encontrou respostas adequadas. A valorização cambial pode, como já vimos antes, colocar em risco a balança comercial no médio prazo e comprometer as perspectivas de boa captação de recursos externos em 2005. Depois ela evidencia, cada vez mais, uma perversa distorção da política monetária em execução: se a moeda brasileira está se valorizando e o risco caindo, a atitude correta e natural seria a redução dos juros internos, não permitindo a apreciação cambial. Mas foi feito, e ainda se está fazendo, exatamente o contrário. Intervenções no câmbio são comuns e muitos países fazem isso. Há de se enfatizar que o controle da volatilidade da moeda é necessário para manter a saúde econômica do país, pois a instabilidade monetária desestimula investimentos e prejudica todos os setores da economia. Além das empresas industriais e comerciais, o setor agrícola, por exemplo, que se baseia em negócios futuros fechados em dólar, perde muito com a volatilidade exagerada da moeda. Porém, o que soa contraditório são as intervenções constantes do Banco Central, que compra moeda estrangeira para desvalorizar o real, enquanto, ao mesmo tempo, aumenta os juros, valorizando o câmbio. Com essa atitude, o Banco Central está assumindo uma atitude temerária pois, nos últimos anos, parte importante do dinamismo de nossa economia se deveu ao bom desempenho das contas externas, agora ameaçado. Ainda que a balança comercial mantivesse saldo positivo, uma política monetária voltada à redução da taxa de juros seria extremamente saudável, pois, além de melhorar a performance do comércio externo e o ajuste quase espontâneo do câmbio, contribuiria, entre outras coisas, para o aumento do emprego formal. Vale lembrar que essa decisão não pressionaria os preços internos, uma vez que o dólar já bateu nos R$ 3,20 e nada de significativo aconteceu. Há, portanto, espaço para algum ajuste, sem riscos e com os grandes benefícios dele decorrentes. O que se espera e, com todo o direito, se exige do Banco Central é que ele privilegie a economia interna com a redução do juro, pois ao tomar essa decisão a autoridade monetária estaria concedendo ao país as vantagens intrínsecas à medida e um benefício adicional: mais estímulo à inserção do Brasil no mercado internacional como futura potência exportadora. Ainda que a gradual queda da taxa de juros não fosse suficiente para reduzir o ritmo da valorização do real, ela serviria, no mínimo, para permitir o aumento das reservas cambiais brasileiras a preço convidativo, pago pelo Banco Central. Além disso, é bom lembrar que o real, hoje, mantém, em valores reais, a mesma paridade que tinha com o dólar antes da adoção do câmbio flutuante, e quando todos os setores da economia atestavam a sua sobrevalorização.