Título: É preciso não desperdiçar a oportunidade
Autor: Zagury , Isac
Fonte: Valor Econômico, 26/02/2008, Opinião, p. A20

Os anos 90 se notabilizaram por uma sucessão de crises financeiras nas economias em desenvolvimento. Países da América Latina e da Ásia perderam reservas internacionais e seus indicadores econômico-financeiros alcançaram níveis de quase insolvência. Programas de apoio financeiro do FMI, bem como rígidas políticas monetárias e fiscais, foram adotados ao longo dos anos. Os países ricos também prestaram socorro, através de perdão e refinanciamento de dívidas via Clube de Paris.

Passados 10 anos, os dados econômicos melhoraram substancialmente. Regimes de câmbio tornaram-se flutuantes, saldos fiscais e de contas correntes registraram contínuo crescimento e mercados de capitais domésticos apresentaram franca expansão. Os países produtores de matérias-primas passaram a acumular grandes reservas em moeda forte. Atualmente, 60% do déficit de conta corrente dos 10 países mais ricos é financiado pelo superávit dos chamados emergentes.

Entretanto, o excesso de liquidez levou novamente as instituições financeiras internacionais a repetirem erros semelhantes aos do passado, como a liberalidade na concessão do crédito e na montagem de operações financeiras exóticas. Ocorre que, agora, os mutuários não são mais os países emergentes e sim as suas próprias populações e organizações. Os órgãos reguladores e agências de classificação de risco mais uma vez não foram suficientemente vigilantes para evitar mais uma grave crise.

A crise é tão séria que as vendas de imóveis nos EUA caíram quase 40% em relação ao pico de setembro de 2005. Os números são assustadores. O sistema financeiro internacional já contabilizou mais de US$ 120 bilhões de dólares em perdas nos balanços. A redução virtual de valor de mercado nas bolsas mundiais ultrapassou, em janeiro, US$ 6 trilhões. Estamos diante de uma crise de crédito, e não de liquidez. A solução terá de passar necessariamente por uma reformulação do sistema financeiro e não somente por uma política monetária menos restritiva. É inevitável que o crescimento mundial seja menor em 2008, embora os preços das commodities devam permanecer relativamente estáveis, já que são beneficiados pela escassez de oferta e não pelo excesso de demanda.

Por outro lado, a importância da economia americana no contexto mundial já é bem menor. Hoje, 60% do crescimento global tem sua origem nos mercados emergentes. O crescimento da economia internacional e a forte demanda por recursos naturais também beneficiaram bastante o Brasil nos últimos anos. Além disso, mudanças paradigmáticas internas foram realizadas na última década: privatização, Plano Real com a estabilidade da moeda, Lei de Responsabilidade Fiscal e programas públicos de transferência de renda. A estabilidade da economia trouxe como maiores benefícios a expansão do crédito e o fortalecimento do mercado de capitais. A diminuição da vulnerabilidade externa permitiu, também, que o foco das políticas públicas se voltasse para a redução das desigualdades.

-------------------------------------------------------------------------------- Brasil tem muito potencial, uma vez que é responsável por 22 por cento da terra disponível no mundo para investimentos agrícolas --------------------------------------------------------------------------------

Entretanto, não podemos esquecer os enormes desafios que temos de enfrentar e com muita urgência. Os programas de transferência para os menos favorecidos chegarão a um limite, caso a questão básica não seja encarada de forma mais estrutural. É fundamental educação pública de qualidade para que o desenvolvimento seja auto-sustentável. Talvez esse seja o maior de nossos "apagões". É necessário reorientar as prioridades e gastar com mais eficiência.

Já passou a hora também de racionalizar o sistema tributário. Sua enorme complexidade e o número elevado de impostos e contribuições provocam enormes custos e burocracias adicionais para as empresas. A implementação da súmula vinculante é, também, imprescindível para a solução de numerosos contenciosos tributários, paralisados hoje nos tribunais inferiores.

A responsabilidade fiscal é o grande suporte para a eficiência das políticas públicas. Compra de reservas e recompra de dívida representam apenas troca de ativos e passivos. A redução do déficit nominal do governo é que reduz em termos líquidos a dívida do governo. Todavia, os gastos correntes do governo nas duas últimas décadas cresceram a uma taxa duas vezes superior ao crescimento da própria economia. Temos de ter em mente que a carga tributária é uma mera conseqüência do nível das despesas públicas. Ainda não enfrentamos, tampouco, o grave problema da Previdência Social. Hoje, o país gasta com os seus aposentados o mesmo que países desenvolvidos, embora com uma população muito mais jovem.

Existem capitais nacionais e internacionais abundantes para novos investimentos em infra-estrutura. Marcos regulatórios estáveis e concessão mais ágil de licenciamento ambiental são condições imprescindíveis para que os investimentos se materializem.

O cenário internacional sinaliza um possível recrudescimento da inflação, em função da alta dos preços agrícolas. A prosperidade nos países emergentes talvez seja o maior indutor desse processo. Os estímulos concedidos pelo governo americano à produção de etanol elevaram os preços do milho e da soja a patamares recordes. Entretanto, o potencial do nosso país é enorme, já que é responsável por 22% da terra disponível no mundo para investimentos agrícolas. Regime democrático e instituições sólidas são também fatores que diferenciam o Brasil de muitos emergentes. Assim, não podemos desperdiçar a oportunidade de deixar de ser o eterno país do futuro.