Título: Ameaças a juízes crescem com cerco a quadrilhas
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 26/02/2008, Especial, p. A22

Policiais durante ação contra crime organizado: PF dá proteção a juízes Responsável pela condução dos processos de lavagem de dinheiro e de combate ao crime organizado no Mato Grosso do Sul, o juiz federal Odilon de Oliveira mora com 12 agentes da Polícia Federal em sua casa, em Campo Grande. Desde 2005, ele mandou mais de 120 traficantes para a prisão. Em resposta, recebeu cartas e telefonemas anônimos ameaçando matá-lo. Por segurança, passou a dormir dentro do quartel do Exército de Ponta Porã, perto da fronteira com o Paraguai, onde atuou por um ano e dois meses. Numa noite, o quartel foi metralhado. Transferido para a capital do Estado, Odilon só sai em carros blindados, acompanhado por agentes. Sua casa é cercada e seu neto, que mora com ele, convive com fuzis dos policiais. "Não me lembro mais da primeira ameaça. Vivo totalmente confinado, sob a proteção da polícia há quatro anos, devido ao seqüestro de bens e da prisão de traficantes."

Após atuar em quatro mega-operações da Polícia Federal, o juiz federal Julier Sebastião da Silva recebeu informações do serviço de Inteligência da PF de que havia planos para matá-lo. "Passei a viver sob a segurança da PF e da Polícia Militar, tanto em casa, quanto em deslocamentos", diz o juiz de Cuiabá, no Mato Grosso. Julier ficou conhecido por ter enviado João Arcanjo Ribeiro, o comendador Arcanjo, para a cadeia. Também foram dele as decisões que prenderam 33 pessoas suspeitas de fraudes em cartórios e em grilagem de terras na Operação Lacraia e 130 pessoas na Operação Curupira - a maior já realizada no combate ao desmatamento no país.

Após analisar quatro casos envolvendo grandes operações da PF, o juiz da 8 Vara de Arapiraca (AL), Rubens Canuto Neto, soube que sofreria um atentado em seu carro junto com o procurador da República Rodrigo Tenório, na entrada da cidade. "Os criminosos tinham a minha rotina. Sabiam o horário em que eu viajava." A informação foi passada por um policial, que foi contatado por um pistoleiro. Ambos ganhariam R$ 50 mil pela morte do juiz e do procurador. Hoje, Canuto depende dos serviços de segurança da Polícia Rodoviária Federal sempre que viaja por seu Estado, só sob escolta.

Os casos de Odilon, Julier e Canuto estão se tornando mais comuns na magistratura. O crescimento das operações da PF - de 67 ações, em 2003, para 188, no ano passado - está lotando o Judiciário de processos contra o crime organizado. Cabe aos juízes tomar as decisões cruciais nessas operações. Hoje, após descobrir a existência de um crime, os investigadores da PF costumam passar meses monitorando a ação das quadrilhas para verificar o seu tamanho.

Muitas vezes, a partir de um crime local, a PF descobre uma quadrilha com ramificações em vários Estados. Essas investigações podem simplesmente naufragar se, no curto período de uma manhã, um juiz se negar a autorizar as prisões e as ações de busca e apreensão de documentos na sede de empresas e de residências ocupadas pelo crime organizado. Por isso, o papel da magistratura, nesses processos, está se tornando cada vez mais arriscado. "Quem comanda as operações e manda prender são os juízes, e não a polícia", diz Julier.

"Os casos de juízes com problemas de segurança têm aumentado assustadoramente", afirma Walter Nunes, presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe). "Antes, eram casos apenas de ameaça. Agora, temos casos concretos de planos de execução de juízes."

A polícia já descobriu pelo menos seis planos para matar Odilon. Um deles tinha detalhes macabros. Queriam deixá-lo num chiqueiro, onde pegaria sarna e não teria o que comer e beber. O objetivo do tráfico era que o juiz morresse aos poucos e o seu caso servisse para intimidar outros magistrados. Outro plano consistia em utilizar uma bazuca para derrubar um helicóptero que seria utilizado para transportá-lo para o Paraguai. Houve dois planos para matá-lo dentro do prédio da Justiça local: utilizando um rifle de luneta e uma metralhadora na saída do prédio, capaz de atingir também os agentes responsáveis pela segurança. De acordo com depoimentos de presos, Odilon e Julier chegaram a figurar em lista do PCC como juízes "visados de morte". O mais trágico para esses juízes é que, de tantas operações que analisaram, muitas vezes, eles não sabem quem os ameaça.

Quando soube do plano para matá-lo na rodovia entre Maceió e Arapiraca, Canuto acreditou que se tratava de ameaça do líder de uma quadrilha local, que fazia diversos roubos em Alagoas e assassinou um funcionário dos Correios. Canuto condenou-o após exame de DNA no volante de um veículo utilizado no transporte de dinheiro. Mas o juiz também mandou prender 11 pessoas de Foz do Iguaçu que levavam drogas para Alagoas. A operação, chamada de Tridente, foi realizada em três Estados (Paraná, São Paulo e Alagoas) e desbaratou uma quadrilha formada por organizações criminosas para distribuir drogas.

Canuto atuou ainda na Operação Carranca, na qual mandou prender 21 pessoas acusadas de desvio de dinheiro de obras públicas no Estado, incluindo empresários locais, um prefeito e políticos do interior. "Seria temerário dizer por qual decisão fui ameaçado de morte, porque atuei em processos diferentes envolvendo várias quadrilhas", admite. Odilon também não sabe mais de onde partem as ameaças. "No meu caso, os planos não são de um determinado grupo, mas do crime organizado em geral", diz o juiz da 3 Vara Federal de Campo Grande.

Julier também não tem certeza sobre qual das diversas decisões que proferiu envolvendo operações da PF levou-o a entrar na "lista negra" do PCC. A prisão do comendador Arcanjo foi um dos principais processos em que Julier atuou. João Arcanjo Ribeiro foi condenado a 37 anos de prisão em regime fechado por formação de quadrilha, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Segundo Julier, Arcanjo comandava as operações com máquinas caça-níqueis no Mato Grosso, mas também atuava com factoring, atividades que lhe valeram mais de R$ 1 bilhão, segundo relatório de investigações do Banco Central. Ele também foi acusado de sete homicídios e de crimes tributários, como sonegação.

Após julgar Arcanjo, Julier foi sorteado para atuar na Operação Curupira, que resultou na prisão de 130 pessoas envolvidas com desmatamento ilegal na Amazônia. "Ao atuar numa operação como essa, você quebra municípios inteiros que viviam da exploração ilegal de madeira", diz o juiz para explicar uma das razões pelas quais não sabe de onde vêm as ameaças. Na Operação Xingu, Julier mandou prender sete índios que vendiam madeira irregularmente. Na Operação Lacraia, ele acabou com uma quadrilha de falsificação de documentos para grilagem de terras: mais 33 presos.