Título: É preciso mudar o "mix" de políticas
Autor: Fabio Giambiagi
Fonte: Valor Econômico, 04/02/2005, Opinião, p. A9

Há alguns dias, analisei aqui as contas fiscais de 2004. Vejamos agora as perspectivas para 2005. Na proposta de Orçamento Geral da União (OGU) para 2005, enviada ao Congresso em agosto, o governo trabalhava para 2004 com a hipótese de que a receita do governo central seria de R$ 411 bilhões. Isso foi antes da revisão do PIB nominal de 2003, que foi maior do que o anteriormente divulgado, diminuindo todos os percentuais sobre o PIB em relação aos estimados até então. Na mensagem presidencial do projeto de lei do OGU (página 103) consta a previsão oficial para a receita do governo central de 24,5 % do PIB para 2004, aumentando para 24,7 % do PIB em 2005. Já com as informações de 2004 fechadas, sabe-se que os R$ 411 bilhões previstos de receita foram, na prática, R$ 424 bilhões, que divididos pela primeira estimativa - conforme o Banco Central - de PIB para 2004, de R$ 1,760 trilhão, corresponde a 24,1 % do PIB. O fato desse percentual ser inferior ao que constava na proposta de OGU se deve exclusivamente à revisão para cima do PIB nominal de 2003, que afetou também o cálculo do PIB de 2004. O ponto que se quer destacar é que, mesmo projetando apenas o aumento real de arrecadação da estimativa original do governo para 2005, de 5,0 % - que talvez seja uma estimativa conservadora - teríamos em 2005 uma carga tributária federal que passaria de 24,1 % para 24,3 % do PIB. Juntemos agora as demais peças do quebra-cabeça: 1) o superávit primário do governo central em 2004 foi de 3 % do PIB e o resultado do setor público, 4,6 % do PIB; 2) o gasto primário do governo central aumentou 9 % reais em 2004; 3) a meta oficial de superávit primário do governo central para 2005 é de 2,45 % do PIB, no contexto de um superávit primário consolidado de 4,25 % do PIB; 4) o governo tem negociado com o FMI a possibilidade de contabilização específica para um volume de investimentos da ordem de R$ 3 bilhões - 0,15 % do PIB - que, se implementada na prática, reduziria o primário do governo central a 2,3 % do PIB, e o do setor público a 4,1 % do PIB; 5) se a receita do governo central aumentar 0,2 % do PIB, em um contexto em que o superávit primário dessa esfera de governo diminui de 3 % para 2,3 % do PIB, teríamos uma possibilidade potencial de aumento da despesa primária de 0,9 % do PIB; 6) nesse caso, no limite, considerando que a despesa primária do governo central foi de 21,3 % do PIB em 2004, ela poderia atingir 22,2 % do PIB em 2005, o que representaria aumento real de 8 %.

O governo não deve se deixar iludir pelas vozes daqueles que fazem votos de louvor à política econômica e que o cobriram de elogios em Davos

Resumidamente, depois de ter aumentado em termos reais 9 % em 2004, a despesa real do governo central estaria aumentando 8 % reais em 2005, em um contexto em que o superávit primário do governo central diminui 0,7 % do PIB. Em um país que precisa combater a inflação contendo a expansão da demanda e reduzir o déficit público - ainda alto - estaríamos combinando uma política monetária extremamente apertada - que fará aumentar a taxa de juros real de 8 % em 2004 a 12 % em 2005 - com um relaxamento importante da política fiscal, na forma de redução significativa do déficit primário. O corolário tende a ser: i) maior demanda pelo lado do gasto público; e ii) aumento do déficit público, pela combinação de menor superávit primário e juros maiores. O governo não deve se deixar iludir pelas vozes daqueles que fazem votos de louvor à política econômica e que o cobriram de elogios em Davos. Como diz um amigo, "me dá US$ 10 milhões para eu começar a distribuir e você vai ver como todo mundo passa a me achar bonito". Reduzir a inflação e ser elogiado pelo mercado financeiro quando a taxa de juros real é de 12 %, e no exterior os juros de curto prazo são inferiores a 3 %, é relativamente fácil. O desafio é continuar a reduzir a inflação e o país se preparar a contento para convencer o resto do mundo a "apostar" no Brasil ganhando 5 ou 6 % reais. Isso requer reduzir mais o déficit público; diminuir o espaço dos gastos correntes na despesa total do governo; aumentar a poupança pública; e diminuir as distorções associadas a certos impostos, no contexto de uma redução da carga tributária. Nesse sentido, é preocupante que algumas ações de política dos últimos meses apontem na direção oposta, pois: i) a tendência é que o déficit público aumente este ano em relação a 2004; ii) o gasto corrente é o item que tem representado a maior parte da variação da despesa pública depois de 2003; iii) com menor superávit primário e maior despesa de juros, a poupança pública vai cair; iv) a carga tributária do país deverá aumentar em 2005, seja pelo que o próprio governo está prevendo em relação às suas próprias receitas, seja pela evolução da parcela dos demais impostos da economia. À luz disso, é difícil de entender o dispêndio de energia na obtenção de um aval do FMI para a aceitação de um espaço adicional de despesa com investimento, no valor citado de 0,15 % do PIB. Se isso valer, de duas uma: ou a) a meta de 4,25 % do PIB não será afetada, em cujo caso a negociação terá sido inócua; ou b) a meta de 4,25 % do PIB, na prática, se transformará em superávit de 4,1 % do PIB, com todos os problemas anteriormente explicados. Por isso, recomenda-se que o governo: i) anuncie que não haverá qualquer contabilização em separado das despesas de investimento, e que, portanto, o país terá uma única meta de superávit primário, calculado da forma que vinha sendo computado até agora; ii) eleve a meta de superávit primário consolidado para 2005, apurado na forma atual, de 4,25 % do PIB para, pelo menos, 4,5 % do PIB e, preferencialmente, 4,6 % do PIB, repetindo o resultado de 2004; iii) confirme a elevação dos investimentos, a serem financiados pela redução de algumas rubricas de gastos correntes em relação aos previstos. Isso criaria bases para o crescimento sustentado melhores do que as atuais e ajudaria o BC no combate à inflação, sem necessidade de operar com uma taxa de juros tão elevada.