Título: Governo paulista vence briga contra Tribunal de Justiça
Autor: Fernando Teixeira
Fonte: Valor Econômico, 04/02/2005, Legislação & Tributos, p. E1

O pleno do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu uma liminar em uma ação movida contra uma resolução do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que transfere para a corte a parcela das custas e emolumentos antes destinada ao governo do Estado. A Resolução n° 196, de 19 de janeiro, regulamenta uma alteração trazida pela Emenda Constitucional n° 45, que instituiu a reforma do Judiciário. A liminar do Supremo foi concedida em ação direta de inconstitucionalidade (Adin) movida pelo governador do Estado e se propõe a estancar um vazamento estimado em R$ 430 milhões nos cofres do Executivo paulista. A receita total do Judiciário paulista é de R$ 3 bilhões ao ano. Além de poupar dinheiro aos cofres do Estado, a Adin concedida pelo Supremo é o primeiro veto a uma regulamentação feita com base na reforma do Judiciário. A Emenda Constitucional n° 45/04 alterou o artigo 98 da Constituição, estabelecendo que as custas e emolumentos serão destinados exclusivamente ao custeio dos serviços relacionados às atividades específicas da Justiça. Partindo da emenda, a Resolução n° 196 do TJSP ampliou de 3% para 21% a parcela das custas e emolumentos dos cartórios extrajudiciais - serviços notariais e de registro - destinadas ao TJSP. Assim, o tribunal ficaria com toda a parcela das custas destinada ao Estado. O segundo artigo da resolução também transfere da Fazenda de São Paulo para o Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça a responsabilidade pelo recolhimento das custas judiciais. Com isso, passa para o tribunal a responsabilidade por 100% das custas dos cartórios judiciais. Segundo o procurador-geral de São Paulo, Elival da Silva Ramos, o primeiro artigo da resolução do TJSP dá um conceito de emolumentos mais amplo do que aquele que a Constituição permite. "A Constituição trata é de custas e emolumentos judiciais", diz. Assim, segundo ele, não caberia ao TJSP ficar com os 17% dos emolumentos extrajudiciais hoje destinados ao governo do Estado. De acordo com o procurador, os 17% das custas e emolumentos significam para o Estado cerca de R$ 260 milhões - o que significa dizer que a receita anual dos cartórios extrajudiciais é de 1,5 bilhão. Dos R$ 260 milhões, 75% são destinados à manutenção da assistência Judiciária em São Paulo - responsável pelos serviços de defensoria pública no Estado. Segundo o procurador, essa é a única fonte de custeio para o Fundo de Assistência Judicial, que atende metade da assistência judicial de São Paulo, prestada por meio de convênio com entidades - sobretudo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) - e que emprega cerca de 40 mil advogados. O impacto da suspensão desses serviços de assistência para a população foi a principal linha de argumentação quando à urgência do pedido da Adin, diz Elival. Nessa parte do pedido, o posicionamento do STF foi unânime, com onze votos a zero. O pedido não foi unânime na segunda parte, que trata da destinação das custas judiciais. Nesta parte, houve dois votos contrários à concessão da liminar, dos ministros Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence. Para o procurador, sobre as custas judiciais realmente não há dúvidas de que devem ser gastas com a Justiça, mas a transferência dos recursos para o tribunal deveria ser feita por lei - e de preferência antes da aprovação da lei orçamentária de 2005 -, e não em janeiro, por resolução. Das custas judiciais, segundo Elival, 60% ficam com o governo do Estado e 40% são destinadas diretamente ao tribunal. Mas o procurador afirma que mesmo a parte que vai para a Fazenda é destinada ao Judiciário, ainda que não diretamente. Parte disso seria usada para pagar os "duodécimos", que são as destinações mensais de receita do tesouro para custear a Justiça. Os 60% das taxas judiciais representam R$ 170 milhões para o Estado. Desse total, o governo usaria R$ 50 milhões para pagar oficiais de Justiça para quem obtém direito atendimento judicial gratuito. Para o procurador, a previsão constitucional não atinge as custas extrajudiciais, e para as judiciais, apenas deixou a destinação mais clara do que estava antes. O presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), Luiz Tâmbara, afirma que recebe com naturalidade a decisão do Supremo. De acordo com o magistrado, "nós somos julgadores, estamos acostumados, é algo normal", afirma. Ele também afirma que a decisão do governo de contestar a portaria do tribunal é perfeitamente normal por envolver valores elevados. A interpretação do Tribunal de Justiça quanto à modificação do artigo 98 é de que ela seria auto-aplicável, não sendo necessário uma lei própria, e que a parte das custas e emolumentos que vão para o Executivo deveriam ficar, a partir de agora, para o TJSP. Tâmbara afirma que se cobra muito do Judiciário e que a emenda constitucional trouxe meios para a Justiça se modernizar, e dentre esses meios estaria o repasse maior das custas e emolumentos. Segundo o presidente do tribunal, a corte ainda não havia elaborado um plano para aplicação do montante. (Colaborou Zínia Baeta)