Título: Anac libera descontos em passagens aéreas para países da América do Sul
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 27/02/2008, Brasil, p. A2

A guerra tarifária no setor aéreo, com promoções nos vôos domésticos que já incluíram venda de passagens até por R$ 1, deverá se estender agora para as rotas que ligam o Brasil aos países da América do Sul. Para estimular a competição e derrubar o preço dos bilhetes, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) autorizou as companhias aéreas - nacionais e estrangeiras - a operar em regime de liberdade total de tarifas, a partir de 1º de setembro, nos vôos entre cidades da região.

Hoje, as empresas podem conceder desconto máximo de 30% sobre o valor de referência da Iata, a entidade internacional que congrega as aéreas. Em países como Chile e Argentina, não existe mais essa restrição. Isso impede que as companhias façam promoções agressivas no Brasil e leva a disparates nas comparações de preços. Um bilhete de ida-e-volta entre Buenos Aires e São Paulo, na classe econômica, pode custar US$ 205 quando é comprado na Argentina. Se comprado no Brasil, o bilhete de ida-e-volta entre São Paulo e Buenos Aires não sai por menos de US$ 405, valor 97% maior. Em períodos promocionais, principalmente de baixa temporada, a passagem entre as duas cidades chegou a custar US$ 29, segundo constatou a agência.

Em razão dos acordos bilaterais que regem os serviços aéreos, essas regras são válidas tanto para companhias nacionais quanto para estrangeiras, nas operações que têm o Brasil como origem. A Anac estabeleceu um cronograma para implantar gradualmente a liberdade tarifária nos vôos entre o Brasil e os 12 países da América do Sul. A partir de 1º de março, o desconto máximo nas tarifas subirá dos atuais 30% para 50%. De 1º de junho em diante, serão permitidos descontos de até 80%. Em setembro, entra em vigor a liberdade total. As companhias, obviamente, não são obrigadas a conceder esses descontos, mas a agência reguladora acredita em redução dos preços e crescimento da demanda.

"Haverá uma tendência declinante de tarifas daqui para frente", observou Ronaldo Serôa da Motta, um dos cinco diretores da Anac. Segundo ele, o tráfego de passageiros entre o Brasil e os demais países da América do Sul é de 4 milhões por ano - 50% dos quais para a Argentina e 20% para o Chile. Serôa da Motta informou que a agência buscará ampliar o número de vôos autorizados pelos acordos bilaterais que os vizinhos assinaram com o Brasil, para permitir o aumento da oferta. No caso do acordo com a Argentina, as empresas já operam todas as freqüências permitidas. "Esperamos que a demanda aumente, esse é o objetivo."

A liberdade tarifária já existe no mercado doméstico, é uma premissa que está na própria lei de criação da Anac (de 2005) e está sendo instituída na América do Sul como primeiro passo. Um grupo de trabalho estudará a extensão da medida - formulada pela diretoria anterior da Anac, mas só agora colocada em prática - aos vôos para outras regiões e deverá apresentar uma proposta em 90 dias.

Serôa da Motta afirmou que, até o fim do ano, os descontos serão instituídos também nas ligações entre Brasil e Europa, que movimentam 10 milhões de passageiros por ano. Ele disse não temer a prática de concorrência predatória pelas empresas estrangeiras. "Nossas companhias já estão consolidadas no mercado europeu e poderemos ter uma abertura responsável."

Para o diretor, um dos aspectos mais importantes da liberdade tarifária, além de estimular a eficiência por parte das aéreas, é a "diferenciação do produto". A nova regulamentação permitirá que algumas empresas foquem sua estratégia em tarifas baratas, com serviços espartanos. Outras poderão cobrar valores mais altos, mas oferecer mais em troca.

Neste mês, a Gol anunciou o fim de seus vôos com destino a Lima e Santiago, saindo de São Paulo. Quando essas operações foram lançadas, os preços eram mais baixos que o das concorrentes. Mas as outras companhias também reduziram suas tarifas e a Gol ficou impedida, pelas regras atuais, de fazer promoções agressivas para atrair passageiros. Sem serviços requintados, acabou perdendo a briga com empresas como LAN Chile e Taca.

Segundo Tarcísio Gargioni, vice-presidente de marketing e serviços da Gol, a companhia aérea ainda não tem planos para retomar os vôos diretos para Lima e Santiago, mesmo com a possibilidade de reduzir as tarifas e assim atrair o público mais sensível a preço. Ele avalia que somente esse tipo de cliente não sustentaria os vôos. "Sempre precisamos de um público misto, incluindo os passageiros que querem maior nível de serviços" disse. "De qualquer maneira, estamos atentos às oportunidades que podem surgir. O mercado na América do Sul está muito aquecido."

O executivo não acredita na ocorrência de uma guerra tarifária predatória, embora afirme que as promoções vão aumentar. A tendência, segundo ele, é que os preços das passagens a partir do Brasil fiquem no mesmo nível cobrado a partir dos países sul-americanos. O que é dado como certo, porém, é que os preços mais baixos vão estimular a demanda e abrir a possibilidade para o lançamento de mais vôos nas rotas sul-americanas já operadas pela companhia. Por enquanto, não há planos para a criação de novos destinos. As empresas TAM, LAN e Taca não retornaram os pedidos de entrevista. (Colaborou Roberta Campassi, de São Paulo)