Título: Lucros e atividade fazem arrecadação crescer 20%
Autor: Galvão , Arnaldo ;Watanabe , Marta
Fonte: Valor Econômico, 27/02/2008, Brasil, p. A3

A Receita Federal voltou a bater recorde em janeiro, apesar do fim da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). A arrecadação total somou R$ 62,59 bilhões - aumento real de 20% sobre o mesmo mês de 2007. O crescimento dos tributos sobre os lucros das empresas levou R$ 16,63 bilhões aos cofres federais. No Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) a elevação foi de 51,15% e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) apresentou valores 44,74% maiores.

No ano passado o governo pressionou o Congresso para que fosse aprovada a prorrogação, até 2011, da cobrança da CPMF. Como argumento, afirmou que o orçamento não poderia perder R$ 40 bilhões em 2008 e que a saúde, os programas sociais e a Previdência seriam os principais prejudicados. Depois da derrota, em dezembro, foi definido um pacote de aumento de tributos com o objetivo de recuperar apenas R$ 10 bilhões neste ano. Foram elevados o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e da CSLL das instituições financeiras.

O resultado da arrecadação em janeiro, contudo, vai na direção contrária às previsões do Executivo. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, admitiu ontem que a arrecadação "confortável" do mês ajuda na aprovação da reforma tributária. O secretário Jorge Rachid procurou explicar que o salto na receita de janeiro foi "atípico". Ele argumentou que, normalmente, nos meses de janeiro, os impostos vinculados à performance dos lucros têm aumentos no patamar dos 20% sobre os valores de janeiro do ano anterior.

Para Rachid, o aumento na casa dos 50% verificados no mês passado não deve se repetir durante o ano. "O resultado foge da normalidade", disse. Na sua avaliação, o vigor do crescimento econômico faria com que a arrecadação dos tributos sobre o lucro aumentasse entre 10% e 12%.

Essa atipicidade, segundo Rachid, também teve outras causas. No final de 2007 foram feitas várias aberturas de capital e, além disso, janeiro registrou antecipações de ajustes no pagamento dos tributos sobre o lucro que devem ser recolhidos até o final de março. Multas, juros e depósitos judiciais também apresentaram valores acima da média. E ainda houve uma arrecadação "residual" da CPMF - R$ 870 milhões - referente aos últimos dez dias de dezembro.

Os setores que mais recolheram IRPJ e CSLL em janeiro foram os de serviços financeiros e atividades auxiliares, metalurgia, eletricidade, comércio atacadista, serviços de escritório, transporte terrestre, extração de minerais metálicos, produtos químicos e consultoria em gestão. Esse grupo foi responsável por R$ 9,72 bilhões dos R$ 16,63 bilhões arrecadados. Rachid revelou que as cem empresas com as maiores altas nos tributos ligados ao lucro recolheram, em média, 500% mais. Nos bancos, o recolhimento de IR subiu 148% e a CSLL foi 134% maior.

Os valores recebidos no IPI cobrado sobre automóveis cresceram, em janeiro, 34% reais sobre igual período de 2007. O aumento decorreu do salto de 39% nas vendas internas das montadoras. Os tributos ligados à atividade importadora também apresentaram aumentos expressivos. O Imposto de Importação arrecadou mais 29% em termos reais sobre o ano anterior, e o IPI vinculado à importação cresceu 31,8%. Esse movimento foi provocado pela elevação de 45,62% do valor em dólares das importações e aumentos nas alíquotas médias efetivas. O câmbio teve redução média de 17,03%.

O especialista em contas públicas, Amir Khair, diz que o aumento da atividade econômica contribuiu para o resultado de janeiro da arrecadação federal. "A lucratividade das empresas tem aumentado e a formalização maior do emprego continua", deduz ele.

"Numa economia aquecida, as empresas tornam-se mais agressivas e competitivas", diz Khair, lembrando que a arrecadação federal indica que os lucros das empresas cresceram mais que as suas receitas. Em janeiro, o recolhimento de tributos cobrados sobre o lucro, como o IR das pessoas jurídicas e a CSLL, cresceu 51,15% e 44,74%, respectivamente. A elevação da Cofins e do PIS, ambos calculados sobre o faturamento, foi de 13,02% e 7,17%. O economista também chama a atenção para o recolhimento da contribuição previdenciária e do IR na fonte sobre rendimentos do trabalho. As duas cobranças foram responsáveis por uma arrecadação adicional de R$ 4 bilhões, indicando crescimento do emprego com carteira assinada.

O fim da CPMF teve um efeito interessante na estrutura de arrecadação da Receita. Pela primeira vez desde 2001 a arrecadação do IR superou o recolhimento total das contribuições sociais em um mês de janeiro. Esse quadro era resultado de uma política que privilegiava a arrecadação de tributos que não fazem parte do bolo repartido com Estados e municípios. Em janeiro, porém, a tendência se reverteu. Enquanto o IR rendeu R$ 20,08 bilhões, as contribuições somaram R$ 19,57 bilhões. O fim da CPMF também poderá mudar a tendência de concentrar a tributação sobre as receitas, fazendo com que o recolhimento tenha base maior na renda e no lucro, estrutura considera mais saudável e mais justa pelos tributaristas.

Para o economista Fernando Fenolio, do Unibanco, a forte arrecadação de janeiro mostrou a robustez da atividade econômica, evidenciada nas altas expressivas das receitas com o IRPJ e a CSLL. "A economia cresce bastante e gera uma forte arrecadação", afirma ele, para quem, "pelo menos por enquanto, a CPMF não faz falta".

Fenolio destaca também o fato de que houve alguns fatores extraordinários a engordar a arrecadação de janeiro, como a antecipação de recolhimento de impostos que poderiam ser pagos até março. Por causa disso, ele diz que não é possível estimar que as receitas continuarão a crescer 20% acima da inflação no resto do ano. "Esse é o resultado de apenas um mês, e a atividade econômica também deve sofrer alguma desaceleração nos próximos meses." De qualquer modo, ele considerou o desempenho foi muito bom. Fenolio projetava uma arrecadação de R$ 55,5 bilhões, bem inferior aos R$ 62,59 bilhões efetivamente registrados.

Em nota, o economista Cristiano Souza, do ABN AMRO, diz que a arrecadação elevada de janeiro mostra que o governo não deve ter problemas para cumprir a meta de superávit primário (o resultado das contas públicas antes do pagamento de juros) deste ano, mesmo sem a CPMF. O esforço fiscal, diz, deve ficar em 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB), o que dará um sinal positivo para o mercado e para as agências de classificação de risco.