Título: Novo secretário ajuda lobby contra calçados
Autor: Paulo Braga
Fonte: Valor Econômico, 10/02/2005, Brasil, p. A4

O setor calçadista argentino está aproveitando a mudança de comando na Secretaria de Indústria do país para tentar subir o tom do conflito comercial com o Brasil, aumentando a pressão sobre o governo para que adote medidas protecionistas. O atual secretário, Alberto Dumont, será substituído até o início de março por Miguel Peirano, que foi economista-chefe da União Industrial Argentina (UIA), entidade na qual têm grande peso os setores considerados sensíveis ao ingresso de produtos brasileiros. Peirano foi também assessor da Câmara da Indústria do Calçado, um dos setores que mais reivindicam proteção. "O Brasil é uma preocupação permanente", disse ao jornal "La Mañana", da província argentina de Córdoba, o presidente da câmara local de produtores de calçado, Gerardo Juarez. O empresário afirmou que durante a gestão de Dumont tem havido um "vazio", em que as reivindicações de seu setor não têm sido acolhidas, mas espera que a situação mude com a chegada de Peirano, "um homem com visão de desenvolvimento". "Na UIA ele foi um forte defensor da indústria nacional, o que nos dá esperança de que este novo secretário possa reverter essa situação." Segundo o jornal, o dirigente empresarial também criticou a qualidade dos produtos brasileiros, ao afirmar que os materiais usados em alguns calçados causam deformações nos pés: "O forte deles, sobretudo no calçado feminino, é o uso do plástico, e a sola não é de borracha nem couro, mas de materiais que chamamos de PVC, o que traz como conseqüência deformações nos pés, má-formação em crianças, porque são solas duras, inflexíveis, que não se adaptam ao movimento do pé." Na semana passada, o atual secretário, Alberto Dumont, disse que pelo menos por enquanto não há problemas no comércio bilateral de calçados, porque uma parte considerável dos produtos importados foi comprada por fábricas argentinas que não conseguiram atender a demanda do mercado local. Assim, não haveria razão para conflito. Os produtores de calçados locais dizem que o Brasil violou um suposto acordo que limitaria as exportações brasileiras a 13 milhões de pares em 2004. No ano passado, as vendas do Brasil à Argentina chegaram a 15,3 milhões de pares. Dados da alfândega argentina mostram que do total de pares vindos do Brasil, 2,3 milhões foram importados pelos próprios fabricantes locais. Além disso, na conta entram também sandálias de plástico e borracha injetados, cuja inclusão na categoria dos sapatos é polêmica. O secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Márcio Forte, disse que o governo e os exportadores brasileiros aceitaram informalmente um pedido do governo argentino para evitar "picos" sazonais de exportações de calçados para a Argentina. Mas afirmou que é improcedente a queixa dos produtores do país vizinho de que há excesso de vendas do Brasil para aquele mercado. "Não há acordo formalizado algum; as exportações estão nos limites aceitos pelo governo argentino", disse o secretário-executivo. O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados), Elcio Jacometti, também negou a existência de qualquer acordo de restrição de exportações com os fabricantes argentinos. "Não existe nenhum acerto. Os argentinos gostam de conturbar." Jacometti disse que a entidade informou ao governo argentino a expectativa de exportar 13 milhões de pares de calçados em 2004 sem o compromisso de restringir os embarques. Essa previsão foi superada graças ao expressivo volume de sandálias plásticas exportadas para o sócio do Mercosul, diz Jacometti. "É um produto de valor agregado baixo, que os argentinos não produzem. Isso não afeta o parque industrial deles." (Colaboraram Raquel Landim, de São Paulo, e Sergio Leo, de Brasília)