Título: Para analistas, país deveria explorar fraquezas da China
Autor: Landim , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 27/02/2008, Brasil, p. A4

Trevor Houser: maior oportunidade está nas indústrias intensivas em energia "Existem problemas estruturais no crescimento da economia da China, que provocam um desenvolvimento instável, desbalanceado, sem coordenação e insustentável." A frase não é de um crítico do modelo chinês, mas foi dita por Wen Jiabao, presidente do conselho de Estado do país durante um Congresso do Partido Comunista. Depois de mais de uma década com o Produto Interno Bruto (PIB) crescendo mais de 10% ao ano, a China começa a enfrentar esses desafios. Especialistas internacionais reunidos ontem pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) acreditam que, apesar da concorrência acirrada que os produtos chineses representam para a indústria nacional, o Brasil pode tirar vantagem de duas fraquezas do dragão asiático: as preocupações com o meio ambiente e a dificuldade de emplacar suas marcas nos mercados externos.

A principal oportunidade do Brasil estaria nas indústrias intensivas em energia, como aço, alumínio, papel e celulose. Para Trevor Houser, pesquisador visitante do Instituto Peterson para Economia Internacional, as companhias chinesas estão em busca de parceiros para produzir em outro lugar, devido à falta de energia e do excesso de poluição. "Brasil e China é um tremendo casamento. O Brasil tem os recursos naturais, como minério de ferro, e a energia limpa. A China tem o dinheiro e os bens de capital", afirmou Orville Scheell, ex-professor da Universidade de Berkeley na Califórnia, para um auditório lotado de empresários. O evento ocorreu no Teatro Sesi, que tem capacidade para cerca de 800 pessoas.

A China enfrenta hoje graves dificuldades de falta de energia, principalmente de energia limpa. Cerca de 75% da energia consumida no país é direcionada à indústria, com destaque para a indústria de base, que fica com 50% do total. O problema é que três quartos da energia são produzidos através do carvão, uma das fontes mais poluentes. Os chineses representam hoje 32% da produção global de aço, mas o índice de intensidade de emissão de carbono está em 1,7. Para comparação, o Brasil responde por apenas 2,8% do aço consumido no planeta, mas o índice de poluição está em 0,9. A base energética brasileira é mais limpa, com forte participação das hidrelétricas e destaque para a biomassa.

De acordo com os especialistas americanos, está em debate no Congresso dos EUA e no Parlamento europeu uma nova política ambiental. Harry Harding, diretor de pesquisa e análise do Eurásia Group, conta que uma das medidas em debate é a imposição de uma tarifa ambiental, calculada pela quantidade de emissão de CO2 no ambiente. A taxa seria aplicada para todos os países, como rezam as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), mas é feita sob medida para os chineses. "Será uma pressão parecida com a que fizeram para a China valorizar o remimbi. Só que é mais fácil para a China mexer na moeda do que resolver os problemas ambientais", diz Harding. Mesmo que a ameaça não se transforme em realidade, o governo chinês já tomou medidas para desestimular a exportação de bens intensivos em energia, que equivalem a taxa de US$ 50 por tonelada de carbono.

"Como possui uma energia mais limpa, o Brasil está muito bem posicionado", avalia Houser. Além de atrair os investimentos chineses para produção conjunta, as siderúrgicas brasileiras podem atender parte do mercado internacional que for deixado pela China, caso ampliem sua capacidade de produção, que está no limite, devido à forte demanda doméstica. O primeiro passo para parcerias entre os dois países foi dado recentemente. Depois de longo noivado, a brasileira Vale e a chinesa Baosteel selaram acordo para investir US$ 5 bilhões na construção de uma siderúrgica no Espírito Santo. Será o primeiro grande investimento chinês no Brasil. "É uma oportunidade enorme. Temos que intensificar os esforços. O projeto chinês nunca foi exportar aço, mas abastecer seu mercado interno", disse Rodrigo Maciel, diretor-executivo do conselho empresarial Brasil-China, que estava na platéia.

Outra oportunidade para o Brasil no mercado chinês está nos bens de consumo, motivo de preocupação para a maior parte dos empresários presentes ao evento. O cenário é complicado. A China produz 85% dos brinquedos do mundo, 40% dos móveis e 40% dos computadores. Em calçados, a participação dos chineses subiu de 10%, em 1990, para 70% no ano passado, ocupando espaço da indústria brasileira. Houser ressaltou que os chineses enfrentam um grave problema: suas marcas não são conhecidas ou tem má fama. Segundo ele, pesquisa feita nos EUA pediu para a população enumerar as marcas chinesas que conheciam. Foram citados apenas a cerveja Tsingtao, a fabricante de eletrodomésticos Haier e a fabricante de computadores Lenovo (que comprou uma parte da IBM).

Harding também disse que a pressão das redes varejistas americanas, como o Wal-Mart, é forte sobre as fábricas chinesas. Apesar dos aumentos de custos na China, as redes americanas pedem queda de preços. "Alguns acreditam que essa pressão pode ser parcialmente responsável pela queda de qualidade", diz ele, referindo-se aos recentes eventos de contaminação em produtos chineses, como brinquedos ou ração animal. Também é difícil para a China adquirir marcas americanas já consolidadas, não por falta de recursos, mas porque a pressão política contrária é forte.

Houser acredita que as companhias brasileiras poderiam utilizar o know-how em vender com marca própria nos mercados americano e europeu e fechar parcerias com a China, que possui recursos e baixo custo de produção. "A maior parte da margem de lucro agora não está na manufatura, mas no marketing. As empresas chinesas estão desesperadas para conseguir uma fatia desse dinheiro. E os brasileiros podem ajudar", diz.