Título: Desafio para Cuba é atrair investimento estrangeiro
Autor: Souza , Marcos de Moura
Fonte: Valor Econômico, 27/02/2008, Internacional, p. A15

Depois de quase 50 anos "protegendo" Cuba do capitalismo, o regime cubano, agora sob nova direção, alimenta expectativas de algum tipo de abertura econômica. Mas o que, na prática, Raúl Castro poderá fazer nessa área? Que projeto de desenvolvimento pode ajudar o país a melhorar seu desempenho econômico?

Analistas ouvidos pelo Valor acham improvável uma abertura no estilo chinês, com um processo forte de industrialização, pois faltam pressupostos básicos. Eles recomendam medidas graduais de estímulo à iniciativa privada e de atração de capital estrangeiro, que pode inicialmente vir de países amigos, como o Brasil. Mas vêem um enorme obstáculo no embargo econômico americano.

Nas ruas de Havana, muitos cubanos acalentam a idéia de que o país poderia se espelhar na China e no Vietnã, que mantêm governos comunistas controlando a vida política, mas deixaram que o mercado, em grande medida, ditasse as regras da economia.

"A China é um país comunista, mas as pessoas são livres para faturar muito e comprar carros e celulares", disse, à agência de notícias Associated Press, Alberto, que trabalha numa fábrica estatal de charutos e tem um salário de mensal de US$ 15. "Por que o comunismo de Cuba não pode ser assim?"

O caminho trilhado pela China - que a partir do final dos ano 70 adotou uma série de reformas em sua economia, abrindo-se para capital externo - seria uma referência para Cuba, mas uma referência difusa, diz Lorena Barberia, do Centro de Estudos David Rockefeller para América Latina, da Universidade de Harvard, e co-editora do livro "The Cuban Economy at The Start of the Twenty-First Century".

"A China é uma referência para Cuba, porém existem muitas diferenças tanto em relação ao tamanho das duas economias como em relação aos recursos disponíveis para seu desenvolvimento", lembra ela. Ao contrário da China, Cuba não tem um enorme mercado interno, nem uma ampla gama de recursos naturais, nem disponibilidade de energia, nem uma vasta reserva de mão-de-obra barata. Sem isso, a capacidade de atrair empresas estrangeiras é menor.

"Mantidas as peculiaridades do caso cubano, aquelas reformas podem, sim, ser adaptadas e auxiliarem a dinamizar a economia cubana. Porém os chineses não sofrem de um embargo da maior economia mundial. Ao contrário, os EUA são o principal destino das mercadorias produzidas na China", diz Lorena.

O embargo impede empresas americanas de manterem contato com Cuba. Ou seja, elas não podem investir no país nem importar de lá. Sob o embargo, Cuba jamais poderia ser uma plataforma de exportação para os EUA.

O embargo é um obstáculo sério para um país de 11 milhões de habitantes cuja proximidade com os EUA significaria uma vantagem comercial. Mas não é o único obstáculo. Apesar da ajuda financeira e energética da Venezuela e dos créditos a juros baixos da China, o diminuto setor industrial é marcado ainda pela ineficiência; a agricultura, pelas baixa produtividade; e os bens e serviços, por pouca qualidade, de modo geral.

Para o economista cubano Roberto Verrier, o modelo de desenvolvimento da ilha já está dado. Não passa pela abertura gradual rumo a um modelo capitalista, mas por uma diversificação no mercado externo, de preferência na América Latina, e pela aposta na Alternativa Bolivariana para as Américas, idealizada pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e cujos eficácia é muito discutível.

"Hoje a Alba é um processo de integração que começa a resolver grandes problemas sociais da região, que aspira promover integração energética na América Latina e que conta com apoio financeiro [quase exclusivamente venezuelano]." Perguntado, por e-mail, sobre o que, na prática, o governo poderia fazer para avançar, Verrier diz: "Priorizar todo esse capital humano criado pela revolução".

A questão é se esse o capital humano, pouco acostumado aos processos produtivos mais modernos, bastará, sem o impulso do capital externo privado.

"A questão é aprofundar a presença de grandes empresas em outros setores, não só no turismo", disse Adriano Biava, professor do curso de Economia da Faculdade de Economia e Administração (FEA), da Universidade de São Paulo. Biava (que participa no início de março do Encontro Internacional de Economistas sobre Globalização e Problemas do Desenvolvimento, em Havana) afirma que setores como o sofrível transporte público e o de produção de vacinas (área no qual Cuba tem know-how) poderiam se abrir para investidores estrangeiros, ainda que com a participação do Estado.

Já o cientista político José Luiz Niemeyer, coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec, do Rio de Janeiro, diz que o país colheria resultados mais significativos se se abrisse para empreendimentos privados - talvez brasileiros ou venezuelanos - em açúcar e etanol. Investimentos estes de longa maturação e cuja demanda mundial é hoje bem maior do que por vacinas, por exemplo. "Mas, para atrair esse capital, o país precisaria reformular normas, oferecer garantias constitucionais, como foi feito com o turismo."

Empresas de petróleo (como a Petrobras), de gás e de mineração também apostam no potencial de Cuba. Um estudo de 2005 feito pelo Geological Survey dos EUA estimou que só a parte norte da ilha pode ter reserva de até 4,6 bilhões de barris de petróleo, similar às reservas comprovadas do Equador.

"Não é preciso inventar a roda. Sabe-se o que funciona e o que não funciona", avalia Alberto Ramos, economista para a América Latina do Goldman Sachs. Para ele, o melhor caminho para Cuba seria o da abertura gradual para um modelo de "economia social de mercado". Isso significa, diz Ramos, um caminho mais em direção ao dos governos dos países nórdicos, com sua estrutura de Estado de bem estar social, do que em direção à China, onde os direitos trabalhistas e o respeito ao ambiente são frágeis.

Para Ramos, nem a China nem a velha URSS - cuja dissolução levou a Rússia a mergulhar num "capitalismo desregulamentado" - deveriam ser referência para Cuba. "A questão é gradualismo: ou seja, o Estado se retirando aos poucos da economia, criando um marco regulatório moderno para atrair investimento externo e também interno, mas mantendo indicadores sociais atribuídos à revolução." (Com agências internacionais)