Título: Mérito da reforma tributária é ser uma agenda positiva
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 27/02/2008, Opinião, p. A16

A proposta de reforma tributária que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, deve enviar amanhã ao Congresso tem enormes chances de empacar em intermináveis negociações e inamovíveis discordâncias entre os entes da Federação, como das vezes anteriores. Ela é, no entanto, uma chance ímpar de governo e Congresso reinaugurarem uma agenda positiva, que simplesmente deixou de existir a partir de 2005, quando o Executivo foi acuado por denúncias de corrupção e a oposição legislativa reduziu o Parlamento às funções de uma delegacia de polícia. Sair da paralisia institucional representa, hoje, reduzir o enorme descompasso entre a política e o Brasil real. O país ganhou movimento, ritmo e vida própria, reflexos não apenas de um momento incomum da economia, mas da própria incapacidade do sistema político de mediar pressões e conciliar interesses.

O tema reforma tributária sempre tende ao impasse, já que envolve o debate sobre a questão federativa, mas, pela sua abrangência, pode ao menos ser um exercício de negociação entre Executivo e Legislativo. Sem negar a importância da divergência no Congresso, a radicalização excessiva da luta parlamentar tem impedido sistematicamente acordos sobre questões de interesse do país. Os partidos políticos representados no Legislativo atuam sob a lógica meramente eleitoral, esquecendo-se que a atividade parlamentar é parte de um sistema de poder - e, nesse sistema, para o Executivo executar, o Legislativo tem que legislar. Na ausência de canais de negociação, o governo tem abusado das medidas provisórias, que por sua vez têm o poder de imobilizar ainda mais o Congresso, que por sua vez se abstém de votar essas medidas. E assim a paralisia política se auto-alimenta, reduzindo ainda mais a atuação parlamentar ao bate-boca-para-eleitor-ver e estimulando o fácil recurso do governo às MPs.

Parte da oposição tem objetado que a proposta de reforma seria uma manobra do governo para abafar a CPI dos Cartões Corporativos, o escândalo do momento. As comissões de inquérito, no entanto, são apenas parte da atividade parlamentar. O Legislativo não pode abrir mão de seu poder fiscalizador, mas tem mantido uma linha tênue entre as CPIs ruidosas e sem profundidade dos últimos anos, destinadas ao público-eleitor via TVs Câmara e Senado, e a investigação policial - o que as tem diferenciado, aliás, é que a polícia se mostra mais eficiente na apuração de crimes do que os parlamentares. O Congresso tem se colocado como um xerife, mas mostra, à profusão, enormes limitações para exercer esse papel. Tem limitado a sua atuação às salas das comissões de inquérito, abrindo mão da função que lhe é própria, de mediador dos interesses dos grupos sociais e das unidades federativas. Sem negar a sua função fiscalizadora - os parlamentares devem mantê-la, porém aprimorando técnicas de investigação e atuando em sintonia com as polícias e o Ministério Público -, o Congresso deve retomar sua função mediadora. É possível fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Terá uma nova chance, na discussão sobre a reforma tributária.

O apoio expresso do governador de Minas, Aécio Neves, à proposta de reforma - seja ele movido ou não por razões político-eleitorais -, tem o mérito de despartidarizar a questão e evitar que ela caia na vala comum da radicalização política. O Legislativo pode aproveitar a deixa. Se, no entanto, se abstiver de fazer mediação, corre o risco de que outros assumam esse papel - e, mais uma vez, em assuntos de interesse para o país, será um coadjuvante. Quando não assume o papel central da negociação no debate legislativo, o Congresso deixa de votar - cai no imobilismo, portanto -, ou impõe a decisão de uma maioria que atende apenas a um determinado grupo de pressão, ou ainda simplesmente referenda o que foi negociado fora dele.

As peças estão sendo colocadas no tabuleiro: o governo saiu da defensiva e propôs uma emenda, o governador Aécio Neves deu a largada para despartidarizar a discussão e os partidos políticos colocaram na mesa a discussão das medidas provisórias. Falta, agora, mais um empurrão para colocar a política em movimento. Se o Congresso assumir uma posição ativa no debate, estará dada a largada para esse jogo.